Tão logo a pandemia da Covid-19 chegou ao Brasil, volta e meia havia alguém falando sobre o novo normal em que passaríamos a viver depois que essa doença passasse, dado a dimensão mundial que ela havia atingido. Ninguém em sã consciência, no entanto, tinha a exata noção do que isso significava. Agora, passados mais de 4 meses do seu reconhecimento pela OMS e do distanciamento social que ela nos impôs, estamos em melhores condições de avaliar o que isso significa.
No começo não imaginávamos que ficaríamos tanto tempo isolados, que os eventos sociais e de aglomeração de pessoas, tais como o futebol, o teatro, o cinema e os espetáculos de maneira geral se tornariam coisas quase inacreditáveis que um dia foram realidade. O medo nos fez aceitar os termos da doença. Ela nos exigiu o isolamento? Nós aceitamos. Ela nos exigiu o fim das diversões de massa? Nós aceitamos. Ela exigiu que nos afastássemos das pessoas que mais amamos? Nós aceitamos. Tudo em nome da vida e de um sacrifício que, afinal, seria de pouco tempo. E lá se foram 4 meses...
Era inevitável que nesse período a realidade fosse se transformando.
Hoje vivemos uma realidade mais virtual do que real, fechados em casa, assistindo a séries intermináveis na TV, trabalhando à distância, reunindo-nos em ambientes virtuais e falando com os nossos só por telefone ou pelas redes sociais. Num tempo tão longo assim e que, parece, não irá ser menor, dado a evolução dos números no país, uma nova realidade começasse a se constituir. A par da relevância que ganham os espaços virtuais, nesse tempo, nos habituamos a não sair de casa sem ter a máscara à mão, ou melhor, ao rosto. O álcool gel se incorporou definitivamente em nossos hábitos de higiene. Nos habituamos a nos cumprimentar mais com os olhos do que com apertos de mão e sorrisos, ocultos que estão por trás das máscaras. Evitamos aglomerações e os contatos são restritos àqueles com quem coabitamos e olha lá. Isso, contudo, não nos tem impedido de viver e cada vez mais vai nos ficando claro que não podemos renunciar à vida por causa do vírus. Os contatos irão se restabelecer, mediados pelos termos acima, configurando essa nova realidade. O novo normal de que falávamos.
Para ilustrar do que estou falando vou dar um exemplo. Esse fim de semana, tomei a decisão de visitar meus pais idosos. Isolados em casa há mais de 4 meses, tornou-se quase inevitável que renovássemos o contato, ainda que nos termos propostos pela doença. De máscaras, mantendo distância e sem demonstrações físicas de afeto. Na volta, estabelecemos eu e minha companheira, que aguardaríamos 14 dias, o tempo de incubação do vírus, para ousar uma nova investida contra o isolamento social que nos impuséramos há tantos meses. E sem o perceber, estabelecemos o protocolo dos novos tempos, do novo normal para contato presencial com nossos entes queridos.
Fizemos isso com absoluta tranquilidade, afinal, desde que a pandemia chegou oficialmente ao país, pelos meados de março, meu trabalho me permitiu desenvolver minhas atividades de forma remota. Saímos só para ir ao mercado ou à farmácia. Tomamos todos os cuidados para evitar, ou ao menos, minimizar as chances de contágio: usamos máscaras fora de casa, álcool gel em casa e no carro, lavamos as compras quando chegamos do mercado, tomamos Sol para aumentar nosso estoque de vitamina D. Tudo aquilo, enfim, que os protocolos básicos indicam como adequado, não apenas para evitar o contágio, como também para aumentar nossa imunidade. Depois de 4 meses desse rigoroso exercício e sem nenhuma evidência de sermos portadores do vírus, entendemos que podíamos nos dar esse presente: rever nossos entes queridos.
Até que as vacinas de que agora já começa a se falar não estejam definitivamente testadas e aprovadas, a realidade que se impõe é essa. O importante disso, contudo, é que embora esta realidade seja infinitamente mais limitada que a anterior, quando ainda vivíamos a inocência de um mundo que não nos ameaçava nas coisas mais simples, como num beijo, num abraço ou num aperto de mão, essa é a realidade que ora se impõe, o novo real com o qual teremos de nos acostumar não apenas para não adoecermos de Covid, mas também não adoecermos de desamor.
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