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HYBRIS OU A VINGANÇA DOS DEUSES

Ainda nos ressentimos do uso distorcido do instituto do impeachment como ele foi praticado contra a presidente Dilma Rousseff em 2016. Os traumas gerados, por conta da forçação de barra para levar adiante esse processo, tornam difícil para a esquerda hoje levantar a bandeira, mesmo quando agora, diferente daquela época, crimes de responsabilidades estejam sendo cometidos diuturnamente pelo governo federal.

A esquerda reluta lançar mão do instituto, pois não quer ser acusada de golpista, como outrora acusou seus algozes. E a direita envergonha-se do que foi capaz de fazer ao banalizar o uso do remédio extremo para supostamente fazer justiça contra uma presidente que estaria cometendo irregularidades, quando o que ela queria, confessadamente, era estancar a sangria que as investigações da Lava Jato estavam fazendo em suas hostes e, oportunisticamente, tomar o poder sem passar pelo crivo das urnas - caso do PSDB, por exemplo, um dos principais fiadores do golpe.

Quando se tornou claro que a oposição, ao praticar o golpe, não estava visando justiça – até porque não tinha as qualidades morais para tanto, nem tampouco a presidente havia cometido irregularidades que justificassem juridicamente a medida extrema, as tais pedaladas fiscais – mas sim política – a pior espécie de política, diga-se de passagem – as pessoas perderam suas referências: afinal em quem acreditar se aqueles que acusavam o governo de cometer irregularidades, haviam cometidos crimes ainda mais graves? Caso de Aécio Neves, do PSDB, Michel Temer e Eduardo Cunha, do MDB, personagens centrais do golpe. Desencantada com a política, por conta dos crimes revelados à exaustão pela Lava Jato, divulgados como um espetáculo pela imprensa venal e sensacionalista, a população é levada a associar o fazer político não à busca do bem comum, na visão clássica de Aristóteles, mas à prática de locupletar-se e, pior, a de criminalizar as agremiações partidárias adversárias, independentes destas serem culpadas ou não.

A degradação do conceito de fazer política possui diversas consequências, a pior delas a de levar as pessoas a acreditar que fora da política possa haver solução para os conflitos que se estabelecem na sociedade, seja pela via do regime da força ou pelo populismo, leia-se, prática de acreditar em salvadores da Pátria.

Bolsonaro é uma mistura de ambos. Elegeu-se graças ao populismo e por outro estratagema que nada mais é do que a continuação do golpe de 2016: o impedimento do ex-presidente Lula num processo eivado de irregularidades, sendo a pior delas a suspeição do juiz Sergio Moro que aceitou depois ser Ministro da Justiça de Bolsonaro.

Nos primeiros meses de governo, Bolsonaro tentou implantar um regime de força. Detido pelas instituições, não teve o menor pudor de aliar-se ao núcleo fisiológico de deputados do Congresso Nacional, núcleo que ficou conhecido nos tempos do Deputado Eduardo Cunha como Centrão, para manter-se no poder, tirando de vez a máscara de que representava uma novidade na política, como havia se vendido durante a campanha.

Hybris é um termo utilizado pela mitologia grega para ilustrar a atitude daquele que extrapola os limites do razoável para obter alguma vantagem ou benefício, rompendo com o equilíbrio das leis da natureza e com a moderação que deve reger a conduta humana. Essa transgressão é punida com a nêmesis (justiça ou vingança) que restabelece o equilíbrio que deve reger o universo.

O impeachment de 2016 foi nitidamente uma extrapolação do razoável, cometido pela oposição com o beneplácito do STF, na utilização dos instrumentos legais e políticos postos à disposição para tirar do poder um presidente que comete crime de responsabilidade. O abuso na utilização desse remédio extremo, no passado, para tirar do poder uma presidente, recém eleita pelo voto popular e sem crime de responsabilidade, teve, como pior consequência (nêmesis) desacreditar que a política possa funcionar como uma instância capaz de avaliar, com justiça, a conduta do presidente para além das conveniências do momento. O que contribui para rebaixar o conceito do política à mera prática do fisiologismo (a defesa dos interesses da corporação), mesmo que à custa de criminalizar a conduta dos seus adversários, apenas por serem estes de outra agremiação política, independente de seus eventuais seus erros e acertos, em total indiferença para com o interesse público. Foi o que a oposição fez ao instituir em 2016 um tribunal exclusivamente político – quase um tribunal de exceção - para julgar uma presidente honesta, quando é sabido que o impeachment, além de um viés político, deve ter como causa um crime de responsabilidade, devidamente apurado e configurado, o que não foi o caso da presidente Dilma.

Não à toa aqueles que abusaram do instrumento no passado sofrem hoje de total paralisia para utilizá-lo contra o atual governo. Ressentem-se dos erros cometidos. E aqueles que a sofreram, temem cometer os mesmos excessos. É o efeito colateral do abuso do instituto, levando à perda da medida para quando for justo usá-lo. Ao perder-se essa medida, a consequência, hoje, é uma tolerância excessiva com os crimes de responsabilidade ora cometidos pelo governo. Tolerância justamente quando a democracia é mais ameaçada e os instrumentos legais e políticos para a salvaguardar deviam ser postos em ação.

É como se sofrêssemos, com o atual governo, uma espécie de vingança dos deuses pelo abuso das instituições democráticas no passado, levando à paralisia das instituições diante de um governo nitidamente despreparado para enfrentar a crise econômica, com 14 milhões de desempregados e uma pandemia que já ceifou a vida de quase 200 mil pessoas. Um governo que nega a gravidade da doença, não promove sequer uma campanha de conscientização, ao contrário, dissemina maus exemplos, como o da não utilização de máscaras e o da realização de aglomerações e, agora, dificulta a imunização da população, enquanto o mundo todo já começa a vacinar, sendo a vacina a condição para a volta das pessoas ao trabalho e da retomada econômica.






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