Assisti a 02 filmes nos últimos dias que me deixaram com a nítida sensação de que o cinema está abandonando a idéia do politicamente correto. Já não há mais interesse em passar mensagem ou dar lição a ninguém. Mostra-se os fatos e o expectador que tire suas conclusões, tome posição contra ou a favor.
Será isso que chamam, no pós-modernismo, de relativização dos valores?
Refiro-me aos filmes Hooligans e Gran Torino.
O primeiro mostra a realidade das torcidas organizadas da Inglaterra, onde a violência é seu código de honra e a lealdade ao grupo o seu maior valor. Sem pudor o filme escancara a xenofobia do inglês em relação às outras nacionalidades. Xenofobia que fica evidente no primeiro contato do personagem Pete Dunham (interpretado por Charlie Hunnam) com o irmão da sua cunhada, Matt Buckner (Elijah Wood).
Pete é inglês e líder da torcida organizada do West Ham e Matt é americano. Em seu primeiro contato, Pete, numa linguagem recheada de gírias e deboche chama Matt de mauricinho e primo colono (numa referência aos tempos em que os EUA foi colônia inglesa). Em seguida, Matt é introduzido, após alguma resistência do grupo e sua também, na turma de Pete e, à primeira vista, fica chocado com a violência crua entre os grupos rivais e os valores que professam – ou a falta deles. Contudo, aos poucos, vai se identificando com aquela horda, a qual é admitido só após demonstrar coragem em sua primeira briga de rua com um grupo rival. Logo fica evidente que Matt – apesar de toda a sua educação - está sendo cooptado pelo grupo e sua filosofia, o que não deixa de representar para ele uma alternativa bastante válida ao mundo de hipocrisia do qual é oriundo. Note-se que Matt viajou para a Inglatera após ter sido expulso de Harvard. Expulsão esta por ter assumido a culpa de um colega mais rico pelas drogas encontradas no apartamento deles. Na Inglaterra, tem contato com os valores simples do grupo de Pete – amizade, coragem, lealdade, hostilidade aos estranhos. Valores básicos e viris, típico de uma tribo (conceito pós-moderno) que acaba seduzindo-o, mostrando a ele um mundo de verdades simples e brutais, mas verdadeiras.
Já Gran Torino conta a história Walt Kowalki (Clint Eastwood), um velho americano, descendente de poloneses e veterano da guerra da Coréia, que, após a morte da mulher, torna-se intolerante com a vizinhaça estrangeira, sobretudo com seus vizinhos de porta, asiáticos originários do Laos, da etnia hmong.
O nó dramático da estória começa quando o adolescente Thao tenta roubar o Gran Torino de Walt. Carro que Walt conserva como a lembrança dos seus tempos de Ford, a mais americana das marcas de automóveis.
O filme retrata bem o chauvinismo americano em face dos estrangeiros que invadem o país. Num desfile de etnias e estilos são mostradas as gangues que pululam no bairro do Walt, o único autóctone do lugar: chineses, coreanos, latinos e negros. Walt, como protótipo do homem branco, da classe média americana, destila o seu veneno contra tudo e contra todos, até mesmo contra o seu barbeiro a quem chama de carcamano f.d.p.
A estória se desenvolve em torno deste velho dinossauro americano que acaba se afeiçoando - ao seu modo -, ao jovem e tímido Thao, ao qual tenta ensinar como se tornar um homem. Ensinamentos que passam por uma série de esporros que Walt dá no garoto por conta da sua timidez e covardia. Timidez por hesitar em convidar para sair a menina por quem tem uma queda. E covardia por não enfrentar seu primo que faz parte de uma gang hmong. Walt claramente incita o jovem a usar da violência contra esta gang, chamando o tempo todo o garoto de frouxo e coisas do gênero. É como se a lei e o Estado não mais existissem e as pessoas tivessem que resolver as coisas sozinhas. Ao tomar esse caminho, Walt descobre quão desastrosas essas atitudes podem ser, mas o desfecho do filme mostra que ele leva essa atitude até as suas últimas conseqüências.
O que chama a atenção nestes filmes – e até um pouco choca – é que a conduta dos seus protagonistas não são mostradas como condutas reprováveis, mas como condutas comuns que as pessoas comuns podem ter e sobre as quais os autores da estória não emitem opinião. É deixada ao livre juízo do expectador se posicionar com relação a elas. Tanto pode se concordar, como rejeitar o que se passa na tela. Não há mais por trás da trama a intenção de o autor em contar uma estória de redenção para as pessoas. Ao contrário: mostra-se como condutas reprováveis – como o emprego da violência, o preconceito e a xenofobia – podem, às vezes, tornarem-se inevitáveis: Buckner, de Hooligns, aprende a lutar e emprega no final a violência como forma de dar uma lição em seu antigo colega de classe e Walt, de Gran Torino, deixa-se assassinar pela gang inimiga para, só assim, provocar a ação da polícia e salvar Thao e sua família.
Condutas estas muito perigosas, a se considerar o alcance da arte e o poder de influência que esta tem sobre o comportamento das pessoas, ainda que em nível subconsciente, cabendo aqui fazer as seguintes considerações a respeito: quais as conseqüências que a morte do politicamente correto, na arte – e na vida, afinal – pode trazer sobre a atual sociedade? Até que ponto isto representará uma renovação dos seus valores, sem hipocrisia, ou o início do seu fim?
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