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julioperezcesar

Rio morto

(Dedicado ao Rio Passo Fundo)

Marulhas

mas não enganas:

estás morto!

Rio de todas as águas

profundidade comezinha

de quem atulhado

mal consegue ver o caminho

através das águas turvas

nas curvas que faz.

Juntas todo o rebotalho

que o trabalho

– a faina inútil de todos os dias –

acumula e faz de ti lixeira.


Tuas pedras

confundem-se com latas;

tuas margens incertas

têm capim

– até demais.

Sobre as quais

às vezes avança

ponta de lança

a alcançar quem o maltrata

o malbarata

com túneis, canais e desvios

enquanto o que há de bom nos rios

– peixes e água limpa –

ninguém consegue ver.

Pescar de tuas margens

namorar molhando os pés

lavar em ti a roupa

que de tão pouca

não consiga te poluir

antes nos faça cheirar à natureza

das profundezas de onde vens

cantando desde as fontes

“habitando a distância de ermos

montes onde os momentos

são a Deus chegados”.[1]


E como criança avança

cidade adentro.

Vai de todos recebendo o que há de pior

– incurável desamor

de quem até os filhos

sabe desamar.


Nos Longes da cidade

por onde sais e te vejo passar

já não vais mais cantando

nem marulhando.


Vais embora a chorar.

[1] Trecho do poema Meu pensamento é um rio subterrâneo, de Fernando Pessoa.

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