(Dedicado ao Rio Passo Fundo)
Marulhas
mas não enganas:
estás morto!
Rio de todas as águas
profundidade comezinha
de quem atulhado
mal consegue ver o caminho
através das águas turvas
nas curvas que faz.
Juntas todo o rebotalho
que o trabalho
– a faina inútil de todos os dias –
acumula e faz de ti lixeira.
Tuas pedras
confundem-se com latas;
tuas margens incertas
têm capim
– até demais.
Sobre as quais
às vezes avança
ponta de lança
a alcançar quem o maltrata
o malbarata
com túneis, canais e desvios
enquanto o que há de bom nos rios
– peixes e água limpa –
ninguém consegue ver.
Pescar de tuas margens
namorar molhando os pés
lavar em ti a roupa
que de tão pouca
não consiga te poluir
antes nos faça cheirar à natureza
das profundezas de onde vens
cantando desde as fontes
“habitando a distância de ermos
montes onde os momentos
são a Deus chegados”.[1]
E como criança avança
cidade adentro.
Vai de todos recebendo o que há de pior
– incurável desamor
de quem até os filhos
sabe desamar.
Nos Longes da cidade
por onde sais e te vejo passar
já não vais mais cantando
nem marulhando.
Vais embora a chorar.
[1] Trecho do poema Meu pensamento é um rio subterrâneo, de Fernando Pessoa.
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