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O ALQUIMISTA

julioperezcesar

Após uma vida consumida em pesquisas, o alquimista chegou à fórmula do elixir que, diziam,  concederia a imortalidade àquele que o bebesse.   

Experimentou-o em si e, de fato, a descoberta devia ser a fórmula pela qual tantos outros pesquisadores demandaram por séculos, pois já tinham se passado 200 anos daquele que devia ser o fim dos seus dias e ele continuava forte e saudável.   

Nesse longo período de sobrevida, ele havia experimentado os prazeres da carne, satisfeito todas as curiosidades do espírito, conhecido os confins da Terra  e enriquecido graças a um estratagema que ele havia inventado para não levantar suspeitas dos seus contemporâneos: herdava de si os seus bens por conta de mortes simuladas, através de papéis falsos. 

Algo, no entanto, começava a incomodá-lo e para o que, ele supunha, nenhum homem estaria suficientemente preparado, ainda que vivesse mil anos: aceitar a superação dos conceitos ele havia formulado sobre a matéria e o Universo.   

Sentia-se agora como uma verdadeira criança diante da evolução que o mundo vinha passando e já não se encontrava mais disposto como antes a acompanhar o progresso das ciências.  Não obstante conservar a boa aparência, sua memória começava a ter dificuldades para suportar tantas informações, muitas contradizendo as outras, e ele via, uma a uma, suas teses caírem por terra.   

No começo tentou investir contra as novas teorias, a descoberta da translação da Terra, dos novos planetas, as leis da gravitação universal, do átomo, a matematização do mundo. Mas contra a verdade ele não tinha armas e, a bem dela, era necessário deixar de lado os "sonhos" juvenis”, pois eram hoje como lhe pareciam suas antigas concepções. 

Trezentos anos de existência e a vida começava a aborrecê-lo.  Sentia-se farto de viver e acumular experiências.  O que elas eram senão decepções, desgostos, contemplação da futilidade de todos os esforços do homem para acrescentar “um côvado a sua estatura”?  Tinha o vigor de um jovem, mas o espírito de três velhos! Qual o sentido disso?   

Não podia sequer revelar o seu segredo.  Lançaria a Humanidade numa maldição se assim o fizesse.  Peregrinações de todos os cantos do mundo e cada um querendo para si a vida da qual ele, hoje, queria escapar.   

E quanto às pessoas que tinha amado? Todas mortas! E a cada vez, morria um pouquinho também. Não no corpo que se mantinha jovem, mas no espírito que é a pior das mortes.  Se enchera de amargura.  Precisava dar um basta nisso. Mas como? 

Não sabia como desfazer o encanto do elixir. Estava, por assim dizer, condenado a uma vida de misérias sobre este mundo.   Precisava descobrir como anular os efeitos da fórmula que havia inoculado em si trezentos anos atrás.   

Estudou mais cem e levou outros tantos em tentativas frustradas, até que do alto dos seus quinhentos anos de existência, quase desfalecido pelo torvelinho em que o mundo o lançara, chegou ao termo de suas pesquisas: encontrara a fórmula que tornava possível o fim dos seus dias e a passagem para o descanso.   

Cercou-se de todos os cuidados para que nada desse errado e a ocasião se revestisse da solenidade que o momento exigia.  

Serviu-se de uma longa mesa, cercado dos seus melhores amigos, belas mulheres e das eminências da sociedade.  Experimentou uma última vez os prazeres da carne como o anfitrião daquele derradeiro festim.  

Após o discurso, ergueu a taça que continha a poção que anulava os efeitos da sua longa vida e a entornou. 

Entregou-se, enfim, aos braços da morte com a alegria de quem se livra de um pesadelo.

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