Na casa do meu pai
quando era jovem
cortava a grama
todos os dias.
Eu era o último dos filhos
– homens –
de uma série
que cedo tinha saído de casa.
E como ainda não trabalhava
ocupava a força viril
que meu pai via nascer em mim
no trabalho de cortar a grama.
Foi assim durante alguns anos
– não sei quantos –
em que vivi os meus melhores anos.
Cortando grama
adolesci.
Escutei som
sem camisa
da porta de casa.
Tive minha primeira conversa
de homem
com o vizinho
– pai de um amigo meu.
Cortando grama
recebi a visita do diretor
e o meu primeiro emprego
– Banco do Brasil
Menor Estagiário de Serviços Gerais –
mal sabendo eu
o que isso significaria para mim.
Um dia percebi
no caminho que ia pro mato
caminho de grama
com pedras à guisa de calçada
que a grama que nascia ali
já não podia mais ser cortada.
Uma força brutal
e irresistível
daquele caminho
a caminho do mato
agreste e rural
já não podia ser vencido
pela tesoura e pela máquina
com que eu aparava
a grama domesticada
dos outros pedaços.
Em alguns pontos
ela sobrava
tomava-se difícil
a controlar:
o tempo passava
eu crescia
as coisas mudavam
e eu sabia
que em breve
tinha que me despedir.
Não sabia
que por tanto tempo!
Eu me afastaria desses anos
– os melhores que já vivi -
e a liberdade para mim
era a camisa perdida
em qualquer canto do terreno
o som na porta de casa
e a vida
a me sorrir
– cheia de novidades.
Aquela imagem
da grama agreste
incontrolável ao meu cortar
resistindo a mim
dominando as pedras do caminho
num ponto indefinido
entre o mato e o jardim
não sabia eu que finalmente
ela ia me vencer.
Eu me afastaria dessa faina
entraria na vida
que me levaria pra longe
e ela
essa grama indominada
cresceria livre
da minha intervenção.
Marcaria
o ponto exato
em que eu jamais seria o mesmo
e o rumo
que eu pretendia dar a tudo
fugiria de mim.
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