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julioperezcesar

VERÍSSIMO

Pra quem não leu, seja por não ter tido a oportunidade, nào ter visto ou lido, mas não dado a devida atençào, reproduzo abaixo a coluna do Veríssimo no ZH de ontem, 06/07/2009. Achei-a simplesmente bárbara! Com a precisão cirúrgica que lhe é característica o Veríssimo disse tudo em poucas linhas. Nota-se que quando o assunto é bom ele ainda mantém a forma.

Um abraço


Onde parar


Ainda sobre a cara do Michael Jackson: fiquei pensando em como um dos grandes problemas da humanidade é não saber onde parar. É um defeito que nos aflige de várias maneiras, desde não saber parar antes que um hábito se torne um vício até não saber parar de especular sobre a natureza do Universo antes de sucumbir à loucura. O Michael Jackson não soube onde parar de refazer a própria cara. Você e eu conhecemos muita gente que não soube parar de retocar a sua e também já ultrapassou a fronteira do grotesco irreversível. Faltou alguém para lhes dizer: “Pare! Assim está bom. Nem um puxado a mais”.


A atual crise financeira mundial se deveu à incapacidade dos grandes financistas de Wall Street em reconhecer quando o lucro excessivo se tornava lucro obsceno. Ou seja, em saber onde parar. A questão da corrupção e da desigualdade extrema se resolveria se houvesse um dispositivo interior que alertasse quando o dinheiro roubado ou acumulado se tornasse demais, algo que avisasse “agora chega, nem um centavo a mais”. Porque, como se sabe, não são os milhões que corrompem e arruínam – é o centavo a mais. Aquele um centavo além do razoável, a perdição dos que não sabem onde parar.


Grandes artistas são os que sabem instintivamente onde parar. Pode-se imaginar um Velázquez decidindo que uma das suas pinturas estava pronta. Que uma pincelada a mais – como o centavo a mais do corrupto e do rico gananciosos – faria tudo desandar. Ou um poeta depois do último retoque, da última microcirurgia estética no seu poema, lançando-o, certo de que não falta ou sobra uma palavra. É verdade que o instinto nem sempre ajuda. O Jorge Luis Borges dizia que o escritor publica seus livros para livrar-se deles, para não ficar reescrevendo-os ao infinito. Mas Borges, que nunca fez um texto muito longo, foi um grande exemplo de quem sempre soube onde parar.


Nas especulações sobre as primeiras coisas do Universo, saber parar também pareceria importante. Parar em Deus, criador do céu e da terra, e ficar por aí para prevenir maiores angústias, seria uma forma de sabedoria. Mas outros não se contentam com uma explicação teológica que relega o resto a um mistério que não nos diz respeito, e dizem que isto seria como decidir parar de pensar. Já outros...


Mas acho melhor parar por aqui.

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