No último dia 02 de abril, o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva fez um postagem no Twitter na qual elogiou o trabalho dos governadores e prefeitos no combate à crise da pandemia do Coronavírus, citando o governador de São Paulo, João Dória, do PSDB, que teve de tomar uma medida dura ao determinar que a PM invadisse uma fábrica por causa da falta no mercado de máscaras cirúrgicas. Em resposta, o governador reconheceu a menção a seu nome, ressaltando que o inimigo comum agora é o vírus, o qual está acima das ideologias.
O fato provocou muita celeuma na internet, sobretudo contra o governador, um dos que tem mais se destacado em ações no combate à pandemia – ao menos o que tem obtido mais espaço na mídia -, por dar holofote ao ex-Presidente Lula.
Fico, às vezes, estarrecido como, em política, um simples tuíter pode ganhar uma dimensão que vai muito além da sua real importância.
É claro, não podemos ser ingênuos. Homens como o ex-Presidente Lula e o governador João Dória são jogadores exímios do xadrez da politica, mas fico, às vezes, sinceramente me perguntando se tudo o que essas pessoas fazem, ou, para não particularizar, se tudo o que um homem público faz pode ser transformado em ato político.
Essa pandemia, pela dimensão que está ganhando e pela gravidade que tem e já o demonstrou mundo afora, exige medidas de uma urgência e envergadura que, claro, terão uma repercussão política, mas que necessariamente não foram motivadas por esse objetivo, mas antes pelas medidas em si que se fazem necessárias. Aliás, o que distingue um estadista de um mero oportunista é justamente isso: tomar as medidas que são necessárias, mesmo quando, politicamente, não sejam as mais adequadas.
Infelizmente, no Brasil, nos últimos anos tudo se transformou em fato politico, no sentido de que tudo parece conter uma motivação política por trás, quando necessariamente pode não ser assim.
O acirramento entre PT e PSDB nas últimas 3 décadas contribuiu magnificamente para isso. Tanto que chegamos a um ponto de a população, na última eleição ter dado uma demonstração de que está farta disso, com a eleição maciça de candidatos que se apresentaram como homens de fora da política – embora muitos viessem vivendo dela há muitos anos -, entre eles o próprio Bolsonaro, eleito Presidente da República; João Dória, ao governo de São Paulo; Wilson Witzel, do Rio de Janeiro e Romeu Zema, de Minas Gerais. Simplesmente os três Estados mais importantes da nação e a própria Presidência da República.
Por que isso ocorreu? Porque a população, como dito, cansou da política, da forma como ela vinha sendo praticada no Brasil nos últimos 30 anos, com um recrudescimento dos ataques dos partidos de oposição, sobretudo do PSDB, contra os governos do PT, que com a eleição da Presidente Dilma Rousseff em 2015 ia para o 4º mandato. Note-se que o PT, quando na oposição, não fazia muito diferente. Contudo, no caso do PSDB, a coisa ganhou uma dimensão que acabou desbancando para a situação em que hoje nos encontramos.
Quando tudo se transforma em política, o bom e o mau gestor acabam se confundindo, porque são dessa ou daquela agremiação e a população, a qual é destinatária da gestão, assiste a tudo perplexa, quando só ela, por ser destinatária das politicas públicas, sabe de fato quem são os bons e os maus gestores.
É como a impunidade: quando a Justiça falha, ela cai em descrédito. O mesmo ocorre na política: quando fulano e beltrano não têm os seus erros apontados ou seus méritos reconhecidos – e aqui o papel da mída é decisivo -, o bom se confunde com o mau e o julgamento da política cai na generalização de que todos são iguais.
No tuíter em que o ex-Presidente Lula reconhece a ação dos governadores e prefeitos, citando, an passant, uma ação concreta de um governador, o qual, é adversário histórico do Partido dos Trabalhadores, as pessoas não entendem a motivação de Lula e recriminam a um e a outro, como se um político, não pudesse reconhecer os méritos da ação de outro.
Por essas e outras, volto a repetir, que a política caiu, nos últimos anos em descrédito e o resultado é isso que estamos vendo: a eleição de um deputado inexpressivo, que, embora vivendo da política há mais de 30 anos, apresentou-se como aquele que ia encontrar as soluções para o país fora da política. Soluções estas que bem sabemos quais são, pois fora da política a única forma de governar é na ditadura. Não por outra, o atual Presidente está a todo momento testando os limites das instituições a ver se consegue implementar seu plano: romper com a política, leia-se, fechar o Congresso Nacional, para governar com mão de ferro..
É o impasse que hoje vivemos: um Presidente, eleito democraticamente, mas que sonha governar, rompendo com a democracia.
Quando Lula, com o seu tuíter, faz um aceno a Dória é justamente para recuperar, para além da política, o prestígio dessa, pois quando se coloca acima das divergências ideológicas, num momento grave como esse, reconhecendo os méritos do seu adversário, demonstra que a política, em algumas momentos, tem que ceder espaço para o enfrentamento de um inimigo comum. Em outras palavras, a política vem depois, quando o momento é da gravidade como o que ora estamos enfrentando. Não há mal em reconhecer isso, ao contrário, pode ser a saída para recuperar o prestígio da política como a instância privilegiada de soluções de conflitos, quando estes não digam respeito a valores fundamentais como a vida, a segurança e a saúde das pessoas. Em se tratando disso, aliás, não pode haver divergências. As armas têm de ser deixadas de lado e é preciso cerrar fileira contra o inimigo comum.
Só assim se fechará, também, a porta para outsiders e aventureiros que se aproveitam de momentos como o ocorrido em 2013, com as manifestações de junho e, depois, com as apurações promovidas pela Operação Lava Jato, para atacar a política. Naquela ocasião, sob a desculpa de que todos são corruptos e o país precisava ser passado a limpo, começou-se a preparar o terreno para tomar o poder de assalto, como veio a ocorrer com o impeachment da Presidente Dilma, em 2016 e, depois, em 2018, com uma eleição marcada por irregularidades, por conta da prisão forçada do candidato mais bem colocado nas pesquisas e a eleição de um outsider que não compareceu a nenhum debate, apoiado em milícias digitais, disseminadoras de fake News.
É o que dá quando se demoniza a política!
Fiquemos, pois, atentos e nos unamos para enfrentar o inimigo comum, seja ele um vírus mortal e altamente contagioso, seja aquele que quer aproveitar o momento para disseminar o caos e levar a cabo o seu intento de fechar o Congresso Nacional e o STF para implantar o seu desvairado projeto de governar o país com mão de ferro, sem oposição, sem contestatação, e quiçá, sem novas eleições. Em resumo, uma ditadura bolsonariana, apoiada em fanáticos e milícias reais e digitais, cujas consequências para o país são imprevisíveis.
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