José Dirceu já disse uma vez que a cadeira da presidência da República costuma fritar quem senta nela, especialmente aqueles que lá chegam sem o devido preparo. Bolsonaro deve estar sentindo a temperatura subir nesse início do 3º ano do seu mandato.
Desde o governo golpista de Michel Temer que a Petrobrás adotou a política de preços dos combustíveis alinhada com o preço do barril de petróleo no mercado internacional, apesar de o país ter se tornado autossuficiente na produção do insumo desde a descoberta do pré-sal. Tal política visa, antes de mais nada, atender aos interesses dos acionistas, alheios ao interesse público, ao fato de a empresa ser estratégica para o desenvolvimento nacional e também ao fato de ser o governo o seu maior acionista. Imbricado nessa política, há também o lobby dos importadores de combustíveis que não conseguiam antes competir com os preços praticados pela Petrobrás. Ou seja, é o interesse privado sobrepondo-se ao interesse público na condução da maior empresa de capital público do país. Entra nessa conta a política de desinvestimento da empresa, a venda das refinarias e gasodutos, a liquidação da indústria naval e toda a cadeia de fornecedores que ela fomenta, entre outras.
Tal política tornou-se um mantra para a imprensa golpista e venal, que toma como um dogma que um presidente da República – mesmo na condição de representante do maior acionista da empresa – não possa interferir na estatal, sob pena de o deus-mercado se escandalizar, ainda que tal política possa estar levando o país à bancarrota, basta ver o preço dos combustíveis nas bombas. Só este ano, por exemplo, o litro da gasolina subiu 4 vezes, batendo a marca dos 34,5% de reajuste e o óleo diesel, os 27,5%.
O jornalismo de esgoto que se pratica no país – com raras e louváveis exceções, sobretudo da mídia alternativa – tenta justificar que a população pagar mais caro pelos combustíveis é medida que se impõe, porque, sob hipótese nenhuma, deve o governo intervir na Petrobrás. Governos no passado já fizeram isso – leia-se o PT – causando um prejuízo à empresa de mais de 200 milhões de reais, como se isso fosse um problema para o cidadão comum que abastece o seu carro todo dia para trabalhar, para a dona de casa que precisa do gás para cozinhar ou para os caminhoneiros que transportam a riqueza do país de norte a sul. Pode ser um problema para o investidor – na sua maioria, aliás, internacionais – que detém ações da empresa, não contudo, para o grosso da população.
O que a grande imprensa não diz, contudo, ou diz mas não contextualiza, é que se o governo abrir mão da arrecadação do PIS/Cofins sobre o óleo diesel – como Bolsonaro pretende fazer, temendo uma greve dos caminhoneiros e a queda da sua popularidade - por 2 meses, por exemplo, ele deixa de arrecadar mais de R$ 3 bilhões. Sobre o gás de cozinha, mais outro bilhão. Ou seja, apenas com esses dois impostos que o governo pretende zerar a partir de março/21, o governo vai deixar de arrecadar R$ 4 bilhões! Isso em meio a uma pandemia, quando o governo é cobrado pelo retorno do auxílio emergencial e está tendo gastos extras na área da saúde, não podendo abrir mão de receita. Em outras palavras, para a imprensa é preferível que o governo abra mão de arrecadação do que prejudique o rendimento dos acionistas da Petrobrás. Arrecadação que pode ajudar a custear o auxílio emergencial e os gastos na área da saúde, como a compra de vacinas, por exemplo.
É revoltante perceber como a grande imprensa desdobra-se para defender os interesses do grande capital privado, mesmo quando em detrimento da maioria da população e do interesse nacional!
Já Bolsonaro deve ter percebido a encalacrada em que se meteu ao abraçar a agenda neoliberal, patrocinada sobretudo por seu posto Ipiranga, dado que Bolsonaro que sempre viveu das burras públicas, nunca foi um liberal (duvido, inclusive, se ele sabe o que é ser um liberal), eis que agora vê-se numa camisa de força cujo nó é apertado, de um lado, pelos liberais do governo, mídia golpista e mercado e, de outro, pela sua base popular, especialmente os temidos caminhoneiros. Nesse dilema, a cadeira presidencial começa a chiar sobre o traseiro do presidente. Tacanho e fundamentalista , contudo, como é, Bolsonaro pode não ver onde efetivamente está o problema: na agenda de desmonte do Estado que está sendo levada adiante por Paulo Guedes, com a qual deveria romper para retomar o controle do Estado das mãos dos liberais que estão entregando o país aos interesses do grande capital nacional e, sobretudo, estrangeiro.
Ao invés disso, é provável que prefira enxergar nesses entraves levantados pela imprensa uma oportunidade de reforçar o seu discurso de ataque às instituições, entre elas a própria imprensa, que não o deixam governar, jogando a opinião pública, sobretudo dos seus fanáticos seguidores, contra elas, num discurso típico do líder populista que é.
Enquanto isso, nesse embate entre a rapina do capital privado e os arroubos autoritários de um populista, fica a população amargando o pior dos dois mundos: de um lado o arrocho da crise que se arrasta sem fim, provocada pelo discurso do estado mínimo e do equilíbrio fiscal a qualquer custo e de outro, as investidas de Bolsonaro contra as instituições democrática, no seu edulcorado sonho de governar o país como um autocrata, sem dar satisfações a ninguém dos seus tresloucados atos, como os de defesa incondicional das falcatruas dos filhos, dos crimes das milícias – policiais ou não -, da destruição do meio ambiente, dos direitos sociais e das oposições. No meio de tudo, o Centrão, representante máximo da velha política do toma lá, dá cá e as Forças Armadas, oscilando entre um e outro para ver com quem podem levar o maior quinhão, nem que seja em picanha, cerveja e leite condensado.
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