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MITO DE PÉS DE BARRO

No artigo do último dia 16 de outubro, no qual escrevo sobre a estética do bolsonarismo, procurei identificar os símbolos que o caracterizam e que tanto engajamento produzem entre seus seguidores. Nesse trabalho de análise e investigação, foi possível identificar que esse movimento, representado pela figura do presidente da República, está assentado sobre três pilares: o da antipolítica, o da suposta infalibilidade do seu líder (sentido último por trás da expressão chula de imbroxável) e o da pauta dos costumes.

Diante do risco às instituições que o movimento tem representado, risco esse recrudescido com a recente chancela nas urnas não apenas do presidente, que logra passar para o 2º turno, como de muitos dos seus próceres, é preciso que a oposição encontre uma forma de desarmar a bomba que está se constituindo em torno do pleito do dia 30 de outubro e mesmo após, numa possível – e, oxalá, provável - derrota.

Antes disso, contudo, seria importante baixar a temperatura do debate público sobre um tema que tem mobilizado a sociedade brasileira, desde que as apurações da Lava Jato ganharam as manchetes dos jornais, qual seja, o tema da corrupção. Tema esse elevado à máxima potência pela mídia nacional com a finalidade de viabilizar o impeachment da presidente Dilma Rousseff e levar ao governo um outro projeto de poder, sem a chancela das urnas, o qual, depois, culminaria na prisão do ex-presidente Lula e na eleição de Jair Bolsonaro, em 2018.

Passados 4 anos do atual governo, com as constantes interferências deste na Polícia Federal, cooptação do PGR com promessa de uma vaga no STF e a aliança do presidente com o Centrão para evitar que os mais de 100 pedidos de impeachment contra ele prosperem na Câmara Federal, tem ficado cada vez mais claro para todos, ao menos para os setores mais esclarecidos da sociedade, que o combate à corrupção nunca foi uma prioridade do governo atual, mas sim apenas uma bandeira oportunisticamente desfraldada para viabilizar a sua ascensão ao poder.

Como reação formou-se, nas eleições desse ano, especialmente no 2º turno, uma ampla aliança em torno da candidatura do ex-presidente Lula para derrotar esse projeto. Ocorre que, embora os processos tenham sido anulados pelo STF, Lula ainda encontra forte resistência em amplos setores da sociedade brasileira, por associação da sua figura à corrupção, ocorrida nos governos do PT. Fato duramente explorado pela grande mídia durante os anos da Operação Lava Jato, em proporção infinitamente maior do que o pouco espaço que deram às gravações que revelaram a parcialidade do juiz do caso, motivo principal da anulação de todos os processos do ex-presidente no STF. Ou seja, não houve por parte da grande mídia brasileira a reabilitação moral do ex-presidente Lula e o reconhecimento do seu erro ao fazer pouco caso dos abusos judiciais cometidos por uma operação que demonizou a política e os partidos, contribuindo para fragilizar ainda mais a nossa combalida democracia, levando ao poder um presidente com aspirações de governar como um autocrata.

Enquanto isso, a campanha de Bolsonaro não cansa de enfatizar que Lula, embora livre dos processos, não teria sido inocentado, passando a ideia, tão comum a nosso sistema de justiça, de mais um caso de impunidade, o que leva ao descrédito nas instituições, reforçando o discurso golpista do presidente.

Assim, ainda que em ambiente hostil, cabe à campanha do presidente Lula e todos aqueles que se alinham com a defesa da democracia no Brasil mostrar que o “mito” tem pés de barro. Para isso, é preciso demonstrar as contradições do bolsonarismo, atacando cada um dos três pilares sobre os quais se assenta, conforme acima já mencionado, quais sejam, a antipolítica, a suposta infalibilidade de Bolsonaro e a pauta de costumes.

Na esfera da antipolítica, urge demonstrar aos seguidores do presidente e àqueles que pensam em aderir – especialmente a estes, aliás, dado o nível de entorpecimento da reflexão daqueles - que sem política não há democracia e, sem esta, a defesa da liberdade que eles tanto prezam é uma falácia. Outrossim, sem democracia não há transparência, nem independência das instituições e sem estes dois valores a corrupção não pode ser combatida.

Na esfera da suposta infalibilidade do presidente, é preciso demonstrar que as interferências dele nas instituições, notadamente na Polícia Federal quando esta se aproxima do seu núcleo familiar, os decretos de sigilo de 100 anos e o orçamento secreto, administrado pelo setor mais venal e fisiológico do Congresso Nacional, são práticas incompatíveis para quem se diz “imbroxável” no campo da ética da gestão dos recursos públicos.

O que tanto o presidente quer esconder com essas práticas? Já diz o ditado popular que quem não deve não teme.

Então, essa suposta infalibilidade do ocupante da cadeira presidencial é no mínimo suspeita. Aliás, os indícios apontam na direção contrária como o evidenciam a atuação dos pastores na intermediação das verbas do MEC junto aos prefeitos; o superfaturamento na compra de vacinas contra a Covid-19, conforme apurou a CPI; os 107 imóveis comprados pelo núcleo familiar do presidente, sendo 51 deles em dinheiro vivo; a mansão comprada pelo filho, Flávio Bolsonaro e pela ex-mulher, com quem mora o filho mais novo do presidente, por valores subavaliados, sem lograr demonstrar a origem dos recursos para a sua aquisição (seriam esses recursos oriundos da prática da rachadinha?). Enfim, são muitas irregularidades não explicadas que o presidente manobra para que assim fiquem e as investigações não avancem, contando para isso com um Procurador Geral amigo, cujo silêncio obteve à custa da promessa de uma vaga no STF.

E, finalmente, na esfera da pauta de costumes, é preciso demonstrar que os valores que Bolsonaro prega não são valores cristãos, compatíveis com o evangelho e que as igrejas que lhe dão sustentação estão embriagadas com a perspectiva de poder e dinheiro que o governo lhes acena, deturpando completamente a mensagem de Cristo quando este diz que não se pode servir a dois senhores, a Deus e às riquezas – Mateus, cap. 6, versículo 24 - ou quando Ele pontua que o Seu reino não é deste mundo – João, cap. 18, versículo 36 - e que se deve dar a César – símbolo do poder terreno - o que é de César e a Deus o que é de Deus – Mateus, cap. 22, versículos 15 a 22. O culto às armas e à violência não é compatível com o contrato social que rege as sociedades civilizados, onde o Estado é que detém o monopólio da violência para dela fazer uso na defesa das pessoas e não estas por sua conta e risco. Tampouco será compatível com os Evangelhos, como fica escancarado na passagem bíblica constante de Mateus, cap. 26, versículo 51 e 52, quando Jesus é preso e Pedro, num arroubo, lança mão da espada para defendê-lo. Jesus lhe repreende, dizendo:

Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão.

Creio, em benefício da dúvida, que muitos que se deixaram levar por esse discurso contra a política, o tenham feito de boa-fé, oportunisticamente inflamados pela campanha deflagrada pela oposição quando, pela 4ª vez perdia as eleições para o Partido dos Trabalhadores e para um projeto de país mais inclusivo e menos desigual. Campanha essa devidamente turbinada pela grande mídia e por uma elite nacional racista, escravista e antipovo. Essas pessoas imaginaram ter encontrado no Capitão o líder que os levaria a um país regenerado, livre da corrupção e das mazelas da política. Daí o ardor com que o defendem, como se aqueles que lhes são contrários, fossem também eles corruptos e do mal.

Outros, no entanto, viram em Bolsonaro a oportunidade de golpearem a jovem democracia brasileira, inaugurada com a CF de 1988, reinstaurando um regime de exceção, para libertar o país dos movimentos sociais que representam e defendem a classe trabalhadora, os negros, os pobres, os indígenas, as mulheres, as comunidades transgêneros, o meio ambiente, a cultura e a ciência, em nome de uma falsa moralidade, com vistas a privatizarem o país a seus próprios e exclusivos interesses. Daí a apropriação dos símbolos nacionais como se fosse coisa que pertencesse apenas a eles, não a todos.

Com essas pessoas não há diálogo possível, pois a sua opção está assentada em preconceitos, no racismo estrutural e no ódio ao outro, ao diferente. Com elas deve-se invocar o império da lei e da Constituição, pois só assim serão domesticadas. São elas especialmente que precisam ser vencidas nas urnas, no próximo dia 30, para libertarmos aqueles que lhes estão servindo de massa de manobra. É para esses inocentes úteis que se destina esse artigo, no esforço para abrir-lhes os olhos enquanto é tempo e mostrar o que se esconde por trás desse santo do pau oco, desse mito de pés de barro.

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