Para muitos só a morte lhes garante um lugar na história. É o caso da morte recente do Presidente da Venezuela Hugo Chávez. As milhares – quiçá, os milhões – de pessoas que compareceram ao velório, suportando horas e horas de espera, sob sol forte, são a prova disso.
Chávez, bem sabemos, não foi um líder unânime. Mas para um líder, ser amado pelo seu povo é o sonho de todos aqueles que chegam ao poder. Afinal, o que é o governo se não o governo de pessoas e, na democracia, o governo da maioria? Parece que a direita não se deu conta disso. Daí sua atual incompetência para chegar ao poder. Da maior potência mundial – EUA – à republiqueta de bananas – Venezuela, como decerto a enxergam os “gringos”, entre eles nós próprios que já nos cremos lords na América, dado nosso relativo destaque -, a esquerda tem ascendido ao poder e esse não é um fato isolado. Estão aí o Uruguai, com Mujica; a Bolívia, com Evo Morales; o Chile, com Bachelet e o Brasil, com Lula e Dilma para o provar. Os povos desse países se deram conta: os pobres são a maioria e a democracia é o governo da maioria. Portanto, eleger representantes dignos deles – tão aí os Tiriricas e Romários que não nos deixam mentir – é uma consequência inevitável. Para escândalo da burguesia, como já dizia Baudelaire na metade do século XIX: “épater les bourgeois”, ao encabeçar na arte o movimento que visava se contrapor ao conservadorismo e ao comodismo burguês – o mesmo que um século antes a burguesia fez com os privilégios da aristocracia na Revolução Francesa.
Chávez podia ter todos os defeitos de um caudilho terceiro mundista – ainda existe essa expressão? Ou seja, não ter a elegância de um FHC e de outros líderes supostamente de esquerda, falando em termos de Brasil – o que, infelizmente não se confirmou com o PSDB no poder – mas era um líder que falava ao coração do seu povo, um líder que resgatou da miséria milhões de venezuelanos e só por isso fez muito mais que todos seus antecessores. Não é estranho, pois, essa idolatria. No entanto, era preciso que morresse para que se lhe ficasse evidente as virtudes. Decerto porque assim sente-se menos ameaçada a direita.
Será que desconhece ela os poderes da veneração de um líder morto?
Acredito que não, mas o relaxamento das tensões é inevitável e a esquerda também não pode deixar de resistir à tentação da veneração de um líder que até aquele momento não sujou a sua biografia. Não ao menos tanto a ponto de deixar seu lado humano se sobrepor às suas realizações. O suficiente, enfim, para manter a aura de adoração.
Precisamos de líderes, assim como de mitos, para sustentar certas crenças – uma delas, senão a principal, a de que um mundo mais justo e igualitário é possível. E Chávez, com todo o seu histrionismo, quiçá o seu mau gosto de homem do povo, com traços nitidamente indígenas que o identificavam com a absoluta maioria dos seus governados – somos, enfim, um continente de índios, negros e mestiços ou não? – Chávez, repito, representava esse povo e era seu governante, gostemos disso ou não. Governante, aliás, da 3ª maior reserva de petróleo do mundo, assim como a Bolívia, de Evo Morales – outro líder índio –, a qual está assentada sobre gigantescas reservas de gás natural.
Quem disse, pois, que esses líderes e países tem que falar a língua dos lords?
Afinal, o que é ser um lord? Não há dignidade nos povos oprimidos do mundo? Não há uma cultura a ser preservada?
Pois, então: aqueles que querem estabelecer relações com esses povos que lhes respeitem a cultura e a identidade. Afinal, é o que parece que o índios Chávez e Morales proclamam aos quatros ventos. E não estão sozinhos: um povo lhes dá sustentação e isso não é pouco coisa num mundo em que a ecologia, os direitos humanos e as minorias ganham destaque.
A direita, pois, que atualize a sua agenda, se quer ter um mínimo de chance, no jogo democrático, de voltar a ter alguma voz.
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