Está mais do que provado. A Presidente Dilma Rousseff foi derrubada para em seu lugar assumir uma quadrilha. E, na melhor das hipóteses, grande parte da população brasileira, em especial a classe média, foi enganada, para que o golpe fosse levado a cabo. As provas estão na denúncia que hoje, 26/06, o Procurador Geral da República enviou ao STF contra Temer. Provas, não convicções. Diante delas, as pedaladas fiscais da Presidente Dilma Rousseff, cometidas por um cem número de presidentes anteriores, parecem brincadeira de criança.
Denúncia está que só andará se a Câmara dos Deputados autorizar o STF a abrir o processo, nos termos do art. 86, da Constituição Federal. E note-se: trata-se aqui de infração penal comum de um Presidente da República no exercício do mandato, fato inédito na história da República Brasileira.
Por seu turno, o Governo se articula para que a votação da Câmara barre as investigações. O que é lamentável, pois demonstra de forma cabal que o Presidente só tem uma preocupação: manter-se no poder. Fosse um sujeito honesto, a preocupação seria outra: a de provar a sua inocência e limpar a sua honra. Mas isso passa longe dos planos do Planalto que apenas quer garantir o quórum 172 deputados para estancar as investigações. Não se fala noutra coisa. Nenhum dos aliados está preocupado com a honra do Presidente e a dignidade do cargo que ocupa. Estão preocupados única e exclusivamente com o cálculo político para manter-se no poder.
Nesse diapasão é oportuna que façamos uma reflexão sobre um dos princípios insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal e que me parece dá fundamento a todos os demais: o princípio da moralidade pública. Pois é uma das lições básicas do Direito que nem tudo que é legal, é moral. E quando se está a falar da Administração Pública, tal compreensão ganha relevo, porque a Administração Pública, além das normas jurídicas rege-se também pelos princípios. Princípios que a Constituição Federal consagrou de forma explícita nos artigos 37 e 70 e, de forma implícita, oriundos do corpo de normas de suas normas e do ordenamento jurídico que instaura a partir de 1988.
Não andou bem, no entanto, a Constituição Federal, quando, em seu artigo 86, estabelece o mesmo rito para o crime de responsabilidade e para o crime comum do Presidente da República. Pois se para o primeiro pode se dizer, como se disse à exaustão por ocasião do impeachment da Presidente Dilma, processada por crime de responsabilidade ( crime este altamente questionável, diga-se de passagem), que o julgamento é tanto político quanto jurídico, o mesmo não pode de dizer, em absoluto, quando o crime é comum. Ora, apresentadas as provas como o estão sendo à larga, no presente caso, não há que se falar em julgamento político. O julgamento há que se estritamente técnico, pois que um Presidente acusado de crime comum, no exercício do cargo, mesmo que obtenha uma vitória na Câmara dos Deputados para não ser julgado perante o Supremo Tribunal Federal, perde inegavelmente as condições morais de permanecer no cargo. Sobretudo diante de provas cujas robustez são notórias e flagrantes, como a gravação, agora devidamente periciada pela Polícia Federal que atestou a integridade e a veracidade do áudio obtido pelo empresário da JBS.
Que condições morais um Presidente da República, acusado de crimes tão graves têm para permanecer no cargo? Mesmo que faltem apenas 18 meses para o fim do mandato, o Brasil está num momento muito privilegiado da sua história em que terá de decidir, ainda que indiretamente, através de um Congresso que não detém as melhores qualidades morais, qual o destino que quer seguir: se de um país que em nome uma “normalidade” ou da estabilidade do mercado fecha os olhos ao crime? Ou de um país que efetivamente não será tolerante com a corrupção seja de que cor partidária for? Sendo que um dos caminhos não é garantia de nada, mesmo no curto prazo, e outro, ainda que no longo prazo, nos sinalize um país que atinge a sua maturidade democrática e escolhe seguir em frente mesmo que para isso tenha que enfrentar o incerto e o desconhecido.
Afirma-se isso porque, mesmo que a denúncia não passe na Câmara dos Deputados, a credibilidade do Presidente estará inegavelmente abalada, após esse episódio. Sempre restará um travo de desconfiança a pairar sobre um homem que tem contra si o peso dessas denúncias, as quais, não sendo devidamente apuradas, no seu tempo próprio, ficarão em suspenso a pesar sobre a cabeça de todos nós, até o fim do mandato. Essa circunstância contaminará o governo pela falta de credibilidade, pois um Presidente que só não foi processado porque seus correligionários não deixaram, não terá moral para mais nada à frente da Nação. Isso é intuitivo para as pessoas e é uma decorrência do princípio antes avocado, o da moralidade. Princípio esse que é o fundamento da autoridade, pois esta não é apenas uma decorrência da lei, mas de todo o arcabouço jurídico que lhe dá fundamento.
É o que o próprio Alexandre de Morais, o qual até bem pouco tempo integrava o atual governo como Ministro da Justiça, assim se refere ao conceituar esse princípio, em Direito Constitucional:
“Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício da função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública”.
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