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ESQUERDA E A PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

julioperezcesar

Nessa segunda semana de fevereiro de 2025, quando o Rio Grande do Sul registra temperaturas de até 7º acima da média e quando, na semana passada, o litoral do Paraná registrou precipitações em torno de 150 ml, o tema da emergência climática precisa ser retomado pelo debate público, especialmente quando, nos EUA, o lunático que assumiu o poder adota medidas que vão na contramão de todos os esforços mundiais para conter o aquecimento global.  

Não é difícil, à luz desses fatos, entender que o aquecimento global está diretamente ligado ao modo de produção capitalista, seja pelo uso intensivo de combustíveis fósseis e a dificuldade que as economias centrais têm de abrir mão dessa matriz, seja pelo uso intensivo de matérias-primas naturais para sustentar o ethos do consumo, do consenso e da aparência. A natureza não dá conta de tanta exploração, nem de tantos rejeitos, seja na forma de lixo e gases de efeitos estufa que poluem a terra, a água e o ar.  

Indissociável da discussão da superexploração dos recursos naturais, está o trabalho e a sua superexploração como o outro fator de produção no regime capitalista.  

O neoliberalismo, que se tornou a doutrina dominante, para não dizer a única, após a queda do muro de Berlin, conseguiu controlar, com relativa tranquilidade – já que a alternativa socialista acabava de ser sepultada - a narrativa sobre esse fator da produção que mexe com a parte mais sensível dessa equação: com a vida e as condições de reprodução dos trabalhadores.  

Através da ideologia da meritocracia, do empreendedorismo, do estado mínimo, por um lado e o crescimento das igrejas evangélicas, sobretudo nas periferias do Brasil, por outro, que popularizaram a teologia da prosperidade e, agora, do domínio, o neoliberalismo conseguiu promover a desregulamentação das relações de trabalho e a sua precarização quase ao nível do começo da sua exploração na era industrial, quando não havia regulamentação alguma, o que aprofunda a concentração de renda e a desigualdade social. Tudo isso, com a adesão do explorado, ao lhe incutir a ilusão de que um dia, também ele, poderá se tornar rico, ou seja, um explorador1

Isso, contudo, não ocorreu com o outro fator de produção, qual seja, com a superexploração dos recursos naturais, não obstante o esforço obstinado nos últimos anos dos negacionistas a ignorarem os alertas da ciência sobre os efeitos devastadores do aumento médio da temperatura mundial.  

Como os fenômenos naturais, diferente dos culturais, são alheios às crenças humanas, esses alertas vêm se tornando uma realidade, com inúmeras consequências para a vida das pessoas. Os fatos estão aí e é difícil negá-los. Pode-se querer dizer que isso sempre foi assim. Sempre houve eventos extremos no planeta. É verdade, mas não, contudo, com a intensidade e recorrência como vêm ocorrendo. 

Os equipamentos de prevenção contra as cheias da região metropolitana de Porto Alegre, construídos nos idos dos anos 1960/70 foram concebidos para uma recorrência de 100 anos. Eles ocorreram, mais ou menos nesse prazo – 83 anos. As projeções atuais, falam em uma recorrência, ou seja, que um evento climático semelhante ao que ocorreu em maio de 2024 possa ocorrer de novo, agora não mais em 100 anos, mas em  30 anos!     

Considerando, assim, que a narrativa sobre os eventos climáticos não pôde ser controlada pelo neoliberalismo, a esquerda tem que tomar essa bandeira como uma cunha no monólito que essa ideologia construiu em torno do trabalho, gerando todo um ethos capitalista de ser: uma sociedade voltada para o consumo, a fruição, o consenso e a aparência.  

Os eventos climáticos estão aí para demonstrar que nem tudo são flores no jardim neoliberal. Jardim esse criado para manter as pessoas escravas do dinheiro, do trabalho e das dívidas, no afã de desfrutar dele por apenas um pouco mais de tempo. Como toda droga, no entanto, o efeito passa cada vez mais rápido, fazendo com que seja necessário trabalhar mais, dedicar mais do seu tempo livre a isso, longe dos seus, para ganhar o mesmo ou cada vez menos, enquanto tudo fica mais caro e distante.     

Não à toa, para conter a rebelião das massas, o capitalismo lança mão do mesmo e velho batido recurso: do porrete da extrema direita e do fascismo que não tem o pudor de bater e dizer com todas as letras isso mesmo: que o mundo não é para todos! – Trump falando contra os imigrantes ou sobre a ocupação de Gaza para construir resorts para os super ricos; que o aquecimento global é uma ilusão – Trump saindo do acordo de Paris e cortando os recursos que seriam destinados aos países que ainda tem florestas a preservar; que os direitos humanos são uma bobagem – Trump saindo da OMS e do Conselho dos Direitos Humanos da ONU;  e que o entidade que é responsável por 40% do auxílio humanitário do mundo – a USAID - é um antro de corrupção e, portanto, deve ser fechada – diagnóstico e ação levada a efeito pelo homem  mais rico do mundo -  Elon Musk – escalado para melhorar – leia-se, destruir - a eficiência do serviço público dos EUA.  

Alguma dúvida, pois, que todas essas questões estão relacionadas e que a esquerda precisa sair do imobilismo, atualizar o seu discurso e sua ação para os dias atuais, reconhecendo que se foi vencida pelo flanco da questão do trabalho, outro flanco se abre – na questão da preservação ambiental - podendo constituir uma linha de ação que atrairá para sua órbita a retomada das discussões sobre a superexploração do trabalho, da concentração de renda e da desigualdade social, que é preciso agir para conter isso, sob pena de se não o fizermos e fizermos rápido corremos o risco de ficarmos sem planeta?  

 

  1. Para entender o fenômeno ver em O Discurso da Servidão Voluntária, de Étienne de La Boétie.  

 

 
 
 

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