Após treze anos de governo do PT e passados dois do golpe jurídico-parlamentar, às vésperas das eleições de 2018, com o ex-presidente Lula impedido de concorrer, a pergunta que não quer calar é: o PT, no governo, decepcionou?
A pergunta se impõe dado ao avanço assombroso da direita. Fenômeno, contudo, que não se restringe apenas ao Brasil. O mundo todo tem-no experimentado. O fato, no entanto, é que aqui o fenômeno tem sido especialmente curioso porque esse avanço foi precipitado pelo impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Impeachment que ficou mais conhecido como golpe jurídico-parlamentar por conta da fragilidade do argumento jurídico que lhe deu causa – as ditas pedaladas fiscais.
Há que se ressaltar, contudo, que o impeachment é um processo peculiar que envolve sempre dois aspectos: o jurídico e o político, e nesse último sentido um fato é inegável: a Presidente Dilma não tinha capital político para revertê-lo no Congresso. De um lado, por conta da falta de apoio popular, oriundo de uma gestão sem brilho no seu primeiro governo, desembocando na crise econômica, em 2015; e, de outro, devido à sua inabilitada política e da equipe para lidar com um Congresso fisiológico, minado de desafetos, capitaneado por um gênio político do mal: Eduardo Cunha, preso desde outubro de 2016, após a confirmação do impedimento da Presidente Dilma pelo Senado Federal.
Este final traumático da era PT, junto com os crimes apurados pela operação Lava Jato, deixaram em todos a sensação de um governo mal sucedido. Sensação para a qual corroborou, sem nenhum pudor, uma oposição encarniçada, insuflada pelo candidato derrotado nas urnas no pleito de 2014 e pelos caciques tradicionais do poder, com receio de que a “sangria” das apurações da Lava Jato chegasse até eles, nas palavras de um de seus próceres, Romero Jucá. Como pano de fundo, uma população insuflada pela grande mídia, a qual se encarregou de demonizar a sigla, diante de uma militância perplexa, desabituada ao embate nas ruas e sem um canal de voz equivalente para fazer frente a essa campanha de desmonte.
Passado, contudo, esse momento de comoção nacional, em especial para aqueles que viram o sonho de um país desenvolvido virar pó, sobretudo pelo que se experimentou até agora por essa pequena, mas nefasta, demonstração do (des)governo Temer do que é ser governado pelo direita, é preciso que se faça esse balanço dos anos do governo petista com o devido distanciamento que só o tempo histórico permite e é nesse sentido que se renova o questionamento: afinal, o PT, no governo federal, decepcionou?
A primeira providência para começar a responder a essa complexa pergunta, dentro do que é possível fazê-lo nos limites desse artigo, é separar os dois períodos do governo do PT: o período do governo Lula e o período do governo Dilma, dado as características pessoais de cada um. Características estas claramente estampadas nas respectivas gestões. Lula, um inegável gênio político e Dilma uma pessoa com sérias limitações nesse terreno. Limitações que chegaram a afetar a sua capacidade administrativa já demonstrada em outras oportunidades, quando ocupante de cargos com perfil técnico, como Secretária de Estado, Ministra de Governo e até mesmo como Chefe de Gabinete da Presidência, com Lula no poder.
Aliado a isso, temos um segundo mandato conflagrado por conta de uma disputa eleitoral acirrada, em 2014, na qual Dilma se sagrou vencedora com uma pequena margem e também por conta da crise econômica que se avizinhava. Crise devidamente subestimada – ou escamoteada - no período eleitoral. Para piorar de vez o quadro, elegeu-se Presidente da Câmara, em fevereiro de 2015, o candidato não apoiado pelo Planalto, Eduardo Cunha, o qual, fortemente implicado nas investigações da Lava Jato, levou à exaustão o processo por quebra do decoro parlamentar no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Processo aberto contra ele, em novembro de 2015, após mentir em março desse mesmo ano na CPI da Câmara que investigava o envolvimento de parlamentares nos escândalos de corrupção da Petrobrás. Quando o deputado percebeu que o PT votaria a favor do relatório preliminar pela continuidade do processo no Conselho, apresentado pelo Relator nos meados de novembro de 2015, Cunha, em flagrante retaliação, aceita, nos primeiros dias de dezembro, um dos vários pedidos de impeachment contra Dilma. A partir daí, os acontecimentos se precipitaram, com especial apoio, nas sombras, do Vice-Presidente Michel Temer e seu partido, o PMDB, que anteviram na fragilidade do governo a oportunidade de assumirem o poder por esta via – morte ou impedimento do titular - pela terceira vez desde a abertura democrática.
Desfecho esse diferente do que ocorreu com Lula, quando já em seu primeiro mandato enfrentou o tsunami do Mensalão, o qual, não fosse pela sua habilidade política e apoio popular, teria-o levado ao mesmo desfecho melancólico do Governo da sua sucessora. Claro que outros fatores influenciaram e está se fazendo aqui um simplificação, mas é inegável que se não fosse pelo carisma de Lula e sua boa performance também na economia – performance de inegável apelo popular, considerando-se o que representa para um trabalhador estar empregado e para os empresários e rentistas, ganhando o seu – Lula teria amargado o mesmo fim.
O PT, contudo, não saiu dessa primeira crise incólume. O homem forte do Governo e virtual sucessor de Lula, o Chefe da Casa Civil, José Dirceu, caiu de maneira fragorosa. (Fragorosa, mas em silêncio, pois até hoje nega-se a fazer delação, diferente de Palocci que, desde a primeira hora quando implicado, fez oferta de delação ao verdugo de Curitiba.)
Passado esse solavanco, Lula é reeleito, no segundo turno das eleições de 2006, com mais de 60% dos votos válidos e faz um governo com grandes realizações. Não foi à toa que o bordão preferido do Presidente, “nunca antes na história desse país”, tornou-se sua marca registrada, pois efetivamente, nunca antes na história desse país – ou talvez numa perpectiva mais modesta, apenas nos governos de Getúlio, nos áureos tempos de Juscelino e sob o milagre econômico do regime militar, com sacrifício de vidas e liberdades e forte endividamento externo – o país experimentou igual crescimento.
Chegamos praticamente ao pleno emprego, com a taxa de desemprego chegando a 4,8%, da população economicamente ativa, em 2015[1]. A economia cresceu a taxas médias de 4% a.a (entre 2003 e 2010)[2], chegando em 2010 a 7,5%[3]. De 13ª economia do mundo, em 2002, passamos para a 6ª, em 2011, desbancando a Grã-Bretanha[4]. O Brasil conquistou em 2008 o grau de investimento[5]. As reservas internacionais bateram recorde, atingindo US$ 288 bilhões, em 2010 (hoje são de US$ 370,00 bi. Em 2002, eram de meros US$ 37 bi), garantindo ao país sólida proteção contra ataques especulativos. O Brasil integra o bloco econômico do BRICS, em 2009, juntamente com outros países emergentes – Rússia, Índia, China e África do Sul – e, em 2014, é criado o Novo Banco de Desenvolvimento, com sede em Xangai, na China, com um fundo de US$ 100 bi para garantir a estabilidade do grupo e ser uma alternativa ao FMI e Banco Mundial para países em dificuldades[6]. O Brasil paga, em 2005 a sua dívida, de US$ 15 bi ,com o FMI[7], contraída em 2002 para FHC fechar as contas e entre 2009 e 2012, empresta ao Fundo um total de US$ 20 bi[8]. Em 2008, dá início à construção das usinas do Rio Madeira (Jirau e Santo Antônio), no Estado de Rondônia[9], e de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará[10], para aumentar a capacidade energética do pais na região Norte e, em 2007. Inicia as obras de transposição do Rio São Francisco, obra planejada desde o Império[11]. Reativa a indústria naval, através do Programa de Modernização e Expansão da Frota, em 2004, via Transpetro, uma subsidiária da Petrobras, com a obrigação de que pelo menos 65% dos componentes das plataformas e navios a serem construídos fossem produzidos no país[12]. Reativa a indústria de óleo e gás, com a construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, a qual entrou em operação em 2014, para produção de óleo diesel[13] e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ -, para processamento do gás natural oriundo do pré-sal[14]. Destina os royaltes do pré-sal para a saúde e a educação.
Na área da educação, de 2003 a 2014 foram criadas 18 novas universidades federais, com 173 campi e 360 institutos federais, com ensino técnico em nível superior e médio[15]. Uma verdadeira revolução na educação superior inclusiva, para a população mais carente. Foram criadas ainda 6.427 creches, o programa Sem Fronteiras, com mais de 100 mil beneficiados, o Pronatec, Prouni e outros.
Na área da Saúde, o programa Mais Médicos, com mais 50 milhões de beneficiados.[16]
É nesse clima de otimismo e pujança que o Brasil se habilitou, em 2006, para a realização da Copa do Mundo, em 2014 e, em 2009, para a realização das Olimpíadas, em 2016.
Diante, pois, desse pequeno resumo das realizações dos governos do PT, de 2003 a 2015, podemos afirmar com todas as letras: não, o PT não decepcionou no governo! Pois nesse pequeno período de tempo, sob a perspectiva histórica, demonstrou o que um governo popular e inclusivo pode fazer. Ademais não se pode pôr na conta de uma única agremiação e em tão pouco tempo a solução de todos os problemas do país. Conta que justamente aqueles que lhe cobram jamais tiveram a preocupação em saldar, como o demonstram os medíocres governos Sarney, Collor e Fernando Henrique, só para falar dos mais recentes. Os mesmos que foram incansáveis opositores no Congresso Nacional, junto com a grande mídia, às políticas inclusivas e de distribuição de renda do PT, como o bolsa-família, o Prouni e outros, em nome dos interesses fisiológicos da tradicional forma de fazer política e que, na primeira oportunidade, não hesitaram em apear do governo uma Presidente democraticamente eleita, por um motivo juridicamente fraco para caracterizar crime de responsabilidade.
Contudo, é preciso reconhecer também os erros do Partido.
O PT errou em fazer as alianças que fez. No entanto, temos que considerar que essas alianças muitas vezes se impuseram para lograr a aprovação de projetos do governo no Congresso, no âmbito do que é conhecido como governo de coalização.
Errou em subestimar a gravidade da corrupção cometida por esses parceiros políticos e até mesmo por companheiros. Contudo, temos que considerar que o PT, em especial a corrente que José Dirceu representava, eram oriundos de um período em que, em nome da luta de classes esse era um mal menor, quando não, necessário, para viabilizar um projeto de mudança da sociedade. Período em que sequer a democracia era um valor tão considerado, no âmbito das concepções marxistas que a reputavam uma construção burguesa, eivada das deficiências da sociedade capitalista, a qual cabia ser superada. Concepções que permearam uma geração e que não deixaram de ter a sua validade considerando-se a brutal desigualdade e a concentração de renda que hoje se observa no mundo pós queda do Muro de Berlin.
Nem tanto ao céu, nem tanto à terra, já diz o ditado popular. E a virtude, como dizia Aristóteles, está no meio. Na sobriedade no uso das ideologias. Todo fanatismo cega e é prejudicial. Há que ser seletivo no seu uso, compondo o melhor entre a estatização dos meios de produção e o livre mercado, sendo que foi exatamente isso o que Lula fez: usou o Estado para alavancar o desenvolvimento nacional, com maciço investimento em obras de infra-estrutura, reativando a indústria pesada da construção civil, através do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento e a indústria do óleo e gás, via política do conteúdo nacional. Essas medidas, junto com os mecanismos distributivos do bolsa-família, por exemplo, foram o ponta pé inicial para reativar a economia, gerando milhões de empregos.
Prova de que o país para se tornar a 6ª economia mundial, com selo de bom pagador, não precisou fazer nenhuma revolução, bastando ser bem administrado, com foco no desenvolvimento e na diminuição da desigualdade e na inclusão social. Num primeiro momento, via programas sociais, depois pelo pleno emprego. E isso, os governos Lula e Dilma fizeram. Não é possível negar a história.
Infelizmente faltou habilidade à Presidente Dilma para dar continuidade a essas realizações, especialmente no seu segundo mandato e ao Presidente Lula, a percepção da gravidade do momento para, em 2014, voltar ao poder e implementar as reformas estruturantes que deixaram de ser realizadas no tempo oportuno, como a reforma tributária, a reforma política e a regulamentação dos meios de comunicação, por exemplo. Reformas e regulamentações que, junto com os investimentos em saúde e educação de quase um geração, poderiam ter mudado definitivamente o perfil da sociedade brasileira, de forma que os retrocessos, como hoje estamos experimentando com o desgoverno Temer não seriam possíveis, nem a narrativa que reputa o estado atual do país a um único partido. Narrativa que passa necessariamente pelo apagamento das realizações do PT, em especial, nos dourados anos do Governo Lula, quando conquistamos o respeito e a admiração internacional.
De sorte que podemos dizer que a maior decepção que tivemos com o PT, foi Lula não ter retornado ao poder em 2014, fazendo o país retomar o rumo da sua verdadeira história como potência mundial que é, com mais justiça e inclusão social.
Mas ainda há tempo. As eleições de 2018 estão aí e projeto de um país rico e inclusivo não pode ser extirpado de nossos corações e mentes pelo golpe que agora intenta se legitimar pelas urnas, na figura de um radicalismo de direita, claramente comprometido com o grande capital, excludente das minorias, inadmissível para um país tão diverso e rico como Brasil.
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Governo_Lula [2]Idem. [3] Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/05/160505_legado_pt_ru [4] Idem. [5] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2008/04/30/brasil-recebe-titulo-de-grau-de-investimento-pela-agencia-sp.htm [6] https://brasilescola.uol.com.br/geografia/bric.htm e https://www.todamateria.com.br/brics/ [7] https://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/2006/01/10/ult1767u58456.jhtm [8] http://www.brasildamudanca.com.br/macroeconomia/reviravolta-lula-paga-divida-com-o-fmi-e-brasil-entra-no-seleto-grupo-de-credores-do [9] https://pt.wikipedia.org/wiki/Complexo_Hidrel%C3%A9trico_do_Rio_Madeira [10]http://www.mme.gov.br/web/guest/destaques-do-setor-de-energia/belo-monte [11] http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/entenda-a-transposicao-do-rio-sao-francisco/ [12] https://www.terra.com.br/noticias/brasil/revitalizacao-da-industria-naval-brasileira-desperta-interesse-mundial,4c50dc840f0da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html [13] http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/principais-operacoes/refinarias/refinaria-abreu-e-lima.htm [14] http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/principais-operacoes/refinarias/complexo-petroquimico-do-rio-de-janeiro-comperj.htm e https://g1.globo.com/economia/noticia/unidade-de-gas-marca-retomada-do-comperj-e-permitira-aumento-da-producao-do-pre-sal.ghtml [15] http://www.pt.org.br/confira-as-universidades-e-institutos-federais-criados-pelo-pt/ [16] https://leonardoboff.wordpress.com/2014/09/10/dados-dos-governos-anteriores-e-do-governo-do-pt%EF%BB%BF/
Comments