Causa perplexidade que no último dia 2 de outubro o atual presidente, mesmo com o péssimo governo que fez, especialmente na gestão da pandemia, da economia, do meio ambiente, da cultura e da educação, tenha conseguido obter expressiva votação, ficando em 2º lugar na disputa presidencial, levando o pleito para o segundo turno.
Tentando decifrar o enigma Bolsonaro e como ele, apesar de todo os despropósitos que cometeu na presidência, nos últimos 4 anos, consiga ainda manter o nível de adoração dos seus seguidores, é possível chegar à conclusão de que esse feito se deve ao fato de que Bolsonaro talvez seja o único político que vive, não de fazer política – embora ele faça, mas não prioritariamente - mas de atacar a política.
Bolsonaro não acredita na política como meio de resolver os conflitos, de chegar ao poder e de gerir o Estado. Efetivamente ele nunca acreditou, como já deixou claro num vídeo do final dos anos 90 quando declara taxativamente que “com a política não ia mudar nada no Brasil” e que era preciso “matar uns 30 mil brasileiros para mudar alguma coisa”.
Dessa forma Bolsonaro consegue se apresentar como um outsider, alguém que não faz parte do sistema, embora ele esteja inserido nele há mais de 30 anos e como alguém que está na política a contragosto, pois, sua verdadeira vontade, era que a mudança do Estado e da sociedade fosse feita pela força e não pelo diálogo e pelo embate de ideias.
Não à toa ele se declara um admirador de ditaduras e torturadores e pregue o culto às armas para que o próprio cidadão faça a sua defesa e não o Estado, o qual, de acordo com o contrato social que inaugura a civilização, é o único legítimo detentor do monopólio da violência.
Com a demonização da política desde as manifestações de junho de 2013 e depois pela Lava Jato, o cidadão comum passa a se identificar com esse discurso, encontrando em Bolsonaro o seu legítimo representante para além de toda racionalidade, pois se coloca a serviço dele no combate à política – e por consequência da democracia, pois sem aquela esta não existe -, como algo decadente e corrompido que precisa ser extirpado da sociedade e do Estado.
Como consequência, todas as pautas consideradas democráticas, tais como a defesa do meio ambiente e dos povos originários, a dos negros e da comunidade LGBTQIA+, das mulheres, da cultura e da educação, entre tantas outras, passam a ser demonizadas como pautas do inimigo – do PT, da esquerda, do comunismo - a ser abatido, assim como, nas disputas eleitorais, os adversários políticos – “vamos metralhar a petralhada”, como dito pelo capitão, em comício realizados no Estado do Acre, na campanha de 2018.
Isso explica a verdadeira adoração que seus seguidores têm para como o seu líder e ao nível de loucura que isso pode levar, já que, ao mobilizar os afetos, essa identificação e esse combate passam a adquirir contorno de uma guerra santa, tal como já se viu em outras ocasiões na Alemanha e na Itália fascistas. O que explica também a adesão de expressivo contingente de evangélicos, especialmente, das denominadas igrejas neopentecostais, a quais passam a ser devidamente instrumentalizadas com propaganda e fake News contra a esquerda, os movimentos sociais e as pautas identitárias.
Bolsonaro, durante todos esses 4 anos, desde o primeiro dia do seu governo, fustigou as instituições, testando os seus limites, de forma a ver como poderia viabilizar um golpe para poder governar como um verdadeiro autocrata, sem às interferências do STF e sem o Congresso Nacional. Felizmente às instituições resistiram a essas investidas, mas a eventualidade de um segundo mandato, sufragado pelas urnas, pode ser entendido por ele como uma autorização da sociedade – e, em certo sentido, é – a esse propósito. No próximo dia 30 de outubro, o Brasil estará frente a essa escolha: a civilização ou a barbárie? O governo da maioria para todos ou o governo da maioria para alguns?
O relativo sucesso eleitoral de candidatos alinhados com o bolsonarismo no primeiro turno dá sinalizações preocupantes do rumo que a sociedade brasileira está tomando, exigindo maior empenho das candidaturas democráticas – eleitas ou não – no esclarecimento do eleitor sobre a importância e as consequências do seu voto.
As democracias também acabam de forma democrática: pelas urnas, mas o que vem depois delas, por certo, se pudesse ser antevisto, não seria desejado.
A sociedade precisa se convencer que não há salvador da Pátria, que não há guerra santa a ser travada contra um inimigo imaginado, que não há mérito algum em praticar o ódio, a discriminação e a violência contra o próximo só por ele ser diferente e que não há solução fora da política e da democracia.
Os defeitos da democracia se combatem com mais democracia, em outras palavras, com mais transparência, com mais investigação, com leis mais eficientes e órgãos que a apliquem com independência e autonomia, sem olhar a quem, e não com a ditadura e o fechamento do regime. Justamente o que Bolsonaro deseja ao interferir na polícia federal, para não investigar a ele e seus familiares, ao corromper o Procurador Geral da República, prometendo-lhe uma vaga no STF e ao decretar sigilo de 100 anos sobre os gastos no cartão corporativo e outras investigações.
Bolsonaro se aliou ao Centrão, o núcleo mais corrupto e fisiológico do Congresso, para não ser derrubado quando as investigações sobre os esquemas da sua família ameaçavam chegar até ele, entregando cada vez mais parcelas de poder a esse núcleo político. Ele fez isso porque é incompetente para gerir o Estado de forma democrática e porque sabe que não é infalível – nem imbroxável – se as investigações avançarem.
Ele almeja governar como um autocrata, sem ser contrariado por ninguém, nem ter os seus atos questionados, porque tem ojeriza à política, embora viva dela há mais de 30 anos. Para ele a política é só isso mesmo: um meio de vida – e põe meio nisso, pois colocou nela toda a sua família e acumulou uma fortuna nesse período – e não uma forma de atingir o poder e de gerir o Estado para o bem de todos. Ele quer o Estado para si e seus apaniguados.
Dessa forma, por ser contra a política, podemos dizer que Bolsonaro não é um democrata e, por não ser um democrata, tem ojeriza à transparência, ao questionamento e à investigação sobre seus atos e da sua família. Em outras palavras, Bolsonaro tem o que esconder, porque sabe que se for investigado, seus crimes aparecerão e sua aura da infalível – e imbroxável – cairão, mostrando a sua verdadeira face.
JPerez
Triste viver em um país governado por um ser tão desprezível como Bolsonaro, infelizmente diante do que vimos dia 02muita gente pensa como ele.
Texto claro e oportuno, embora tenha sérias dúvidas, que para os que ele seria muito útil, tenham dificuldade para entender. Não é falta de inteligência, é falta de interesse, pois na cabeça deles, está tudo claro e resolvido, e eles estão sempre certos. Em todo caso, boa sorte! Precisamos contar com a bondade, e patriotismo de todos, que precisam doar um pouco de seu tempo, para verificar, o que é melhor, para nossa pátria.