O governo Bolsonaro, fundado sobre o tripé do combate à corrupção, conservadorismo nos costumes e liberal na economia, passado um ano e meio de gestão, começa a revelar as contradições subjacentes a essas pautas.
O combate à corrupção foi para as cucuias quando vieram à tona a ligação da família Bolsonaro com o esquema das rachadinhas, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e a saída do ex-juiz Sérgio Moro do Governo, motivada pelas interferências de Bolsonaro na Polícia Federal para proteger o filho Flávio, investigado nesse esquema.
O liberalismo na economia começa a fazer água na medida em que a pandemia da Covid-19 revelou a falácia do Estado mínimo e Bolsonaro vislumbra no Auxílio Emergencial uma forma de aumentar a sua base de apoio popular entre as camadas mais pobres da população, especialmente no Nordeste, com vistas à reeleição em 2022.
Essa semana, com mais duas baixas na equipe econômica de Paulo Guedes, quais sejam, dos Secretários Salim Mattar e Paulo Uebel, encarregados, respectivamente, das pastas das privatizações e da reforma administrativa, deixaram escancarada a contradição ambulante que é esse Governo, afinal, Bolsonaro nunca foi um liberal. É razoável pensar, inclusive, que Bolsonaro sequer saiba o significado e alcance do que seja um governo liberal. Simplesmente aderiu às teses de Paulo Guedes por conveniência política, para ter o apoio do empresariado e da direita tradicional, dado que Bolsonaro sempre viveu das burras do Estado, nunca empreendeu nada, sempre teve posicionamentos no Congresso Nacional, ao longo da sua vida parlamentar, em defesa das corporações, especialmente das polícias e das Forças Armadas, e seus votos sempre foram contra as privatizações. Como militar de formação não podia ser diferente, afinal não há militar que seja contra um Estado forte, dado a visão estratégica que normalmente os caracteriza.
Apenas sonhadores e oportunistas algum dia acreditaram que Bolsonaro defenderia uma política liberal no Governo. A própria reforma da Previdência só passou por causa do empenho de Rodrigo Maia, à frente da Presidência da Câmara e ainda assim, com ressalvas do Presidente com relação às carreiras das polícias e das Forças Armadas, o berço tradicional do bolsonarismo. Agora, acossado pelas denúncias contra o filho e a mulher, por conta do esquema das rachadinhas na ALERJ, depois da prisão do operador do esquema, Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Assembleia, Bolsonaro se aproximou do Centrão para garantir a sua sobrevivência no caso de eventual aceitação por Rodrigo Maia de um dos quase 50 pedidos de impeachment que foram protocolados na Câmara Federal, desde o começo do Governo. E o apoio do Centrão, sabe-se, não vai sair barato, afinal a política que esse bloco parlamentar pratica é o do fisiologismo mais rasteiro e da compra de apoio nas suas bases eleitorais. Compra que requer a liberação de verbas para essas bases.
Tampouco a ala militar que compõe o Governo é favorável a uma pauta de enxugamento do Estado, havendo nítido embate entre essa ala, representada pelo Gal. Braga Netto e seu plano de Obras Pró-Brasil, e a equipe econômica, centrada na pauta do equilíbrio fiscal e do respeito ao teto de gastos.
Por fim, a pauta dos costumes é uma bomba que a qualquer momento pode estourar quando os evangélicos se derem conta, afinal, que ao apoiar Bolsonaro deram seu aval àquele que é o principal inimigo da fé cristã. Aquele do qual todo crente sabe que veio para mentir, roubar e matar. Quando esse povo cair em si, que Bolsonaro é justamente aquele que pratica essas três coisas, a contradição derradeira desse Governo estará escancarada, afinal o que Bolsonaro fez desde a campanha se não disseminar mentiras através das chamadas Fake News e, depois, através do que passou a ser conhecido como o Gabinete do Ódio?
O que é o esquema das rachadinhas das quais seu filho Flávio Bolsonaro está sendo investigado, bem como sua mulher, Michele Bolsonaro, a qual recebeu em sua conta mais de 20 depósitos de Fabrício Queiroz de 2011 pra cá? Esquema que nada mais é do que apropriar-se de parte dos salários dos assessores nomeados nos Gabinetes, quando não de servidores fantasmas. Não é isso roubar?
E, finalmente, o que é o apoio de Bolsonaro ao armamento e às milícias se não o incentivo da cultura que promove a morte dos inimigos, sejam estes reais, imaginários ou ideológicos?
O que se observa, enfim, desse Governo, que se elegeu fundado nesse tripé, é que ele só conseguiu essa façanha, de abrigar todas essas contradições com aquilo que verdadeiramente sempre foi, porque o processo eleitoral foi sabotado. O então candidato Bolsonaro fugiu aos debates, justamente porque não tinha plano de Governo e se elegeu numa esteira de mentiras forjadas desde o impeachmeant da Presidente Dilma Rousseaff contra o Partido dos Trabalhadores e contra aquele que tinha as maiores chances de vitória, o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva. Contradições estas que vão ficando evidentes e que aos poucos revelam as fragilidades desse Governo na condução do país. Um Governo sem projeto para economia, que combata o desemprego e promova o desenvolvimento sustentável do país. Um Governo sem autoridade moral para fazer o enfrentamento da corrupção e do fisiologismo do Congresso Nacional. E, finalmente, um Governo que promove a violência e a morte contra a população mais pobre, contra os negros, os indígenas e o meio ambiente.
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