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A ESTÉTICA DO BOLSONARISMO

No artigo publicado nesse espaço no dia 05 de outubro, ainda sob o impacto do resultado das eleições, afirmei que Bolsonaro encarnava a antipolítica por se apresentar como alguém de fora do sistema e contra “tudo isso que tá aí”– como era seu bordão na campanha de 2018. Ao associar a política com corrupção, na esteira da onda lavajatista e das manifestações de junho de 2013, Bolsonaro consegue galvanizar seus seguidores ao ponto quase da histeria por se apresentar como alguém não corrompido – o significado último por trás da alcunha de “imbroxável” - que vai redimir o país de todos os vícios – daí sua associação com os evangélicos e a pauta de costumes - introduzidos especialmente pela esquerda comunista, caracterizando-se, pois, como um movimento de extrema direita.

Assim como o fascismo não foi um movimento estruturado por uma teoria, o bolsonarismo também não o é, eis que ele vai se constituir como um corolário dessas três facetas do seu núcleo duro: a antipolítica, a suposta incorruptibilidade do seu líder e a pauta dos costumes. Nesse sentido, por não ser estruturado por uma teoria, o bolsonarismo encontra nesse fato sua força e sua fraqueza.

Sua força, porque sem uma teoria para ser contraposta, a adesão a ele se dá na ordem dos afetos, não havendo como racionalmente demover os seus seguidores.

Sua fraqueza, porque sem uma teoria, o bolsonarismo torna-se maior que Bolsonaro, fazendo com que cada um tenha dele uma interpretação e adesão por motivos próprios. Interpretação e adesão, contudo, que levam logo a muitas baixas, à medida que começa a ficar claro que Bolsonaro não encarna o movimento na pureza como seus seguidores o haviam pensado inicialmente. Baixas essas que vão se tornar inimigas do movimento, revelando suas fragilidades, tais como ocorre com Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores, na sua cruzada antiglobalista e que se torna um detrator de Bolsonaro; Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação, devidamente defenestrado do governo quando sua truculência com o STF ameaçou tornar irreversível a crise entre os poderes, crise que Bolsonaro parece querer administrar pessoalmente, através de avanços e recuos milimetricamente calculados e a mais eminente defecção do governo, qual seja, a do ex-juiz Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça, pela interferências do presidente na Polícia Federal. Sem falar de outros que logo pularam da barca ou foram defenestrados, tais como Gal. Santos Cruz, Joice Hasselman, Alexandre Frota, Bebbiano, Paulo Marinho, Luciano Bivar e Major Olímpio.

Pois bem. De cada uma das facetas do núcleo duro do bolsonarismo, conforme acima referido, Bolsonaro vai extrair consequências que servirão de combustível para o movimento.

Da antipolítica, o bolsonarismo vai extrair a sua vocação antidemocrática – dado que não há democracia sem partidos políticos; a sua aliança com os militares que, por vocação e por limitação legal e constitucional, não deveriam se envolver com política; o ataque às instituições, incluindo nestas o judiciário, especialmente o STF, os órgãos de fiscalização e a legislação que lhes dá suporte e o flerte com a ditadura.

Para preservar a aura de incorruptibilidade de líder, Bolsonaro, tão logo assume, cuida para nomear um procurador amigo, fora da listra tríplice do Ministério Público, calando-o em seguida sob a promessa de uma vaga no STF; decreta reiterados sigilos de 100 anos sobre tudo que possa comprometer a sua aura de imbroxável, leia-se, de infalível à moda de um líder religioso; procede a reiteradas interferências na Polícia Federal para não deixar investigar amigos e familiares que possam arranhar essa imagem e, por incrível que pareça, ainda consegue passar incólume pela aliança com o Centrão – o núcleo mais fisiológico e venal do Congresso Nacional - para o blindar dos pedidos de impeachment que espocam nos primeiros anos do seu governo.

E, finalmente, da pauta de costumes, Bolsonaro extrai a sua aliança com as igrejas evangélicas fundamentalistas e os ataques às pautas identitárias e das minorias, como dos movimentos LGBTQIA+, o movimento negro, dos povos originárias, das mulheres entre outros.

Cada uma dessas consequências passa a constituir uma linha de frente do movimento, as quais são devidamente instrumentalizadas com palavras de ordem e símbolos que galvanizam seus seguidores de uma forma que os torna surdos e cegos às críticas que se faz ao presidente e ao seu governo, caracterizando, no seu conjunto, o que podemos denominar como a estética do bolsonarismo.

Por não se constituir sobre uma teoria estruturada que lhe dê base – Olavo de Carvalho está longe de ser um teórico orgânico e estruturante desse movimento, sendo antes um franco atirador que dava pitaco sobre vários temas – o bolsonarismo faz com que seus seguidores se movimentem e orientem com base nessas palavras de ordem e símbolos, como uma verdadeira manada. Não por acaso a esquerda os tenha denominado de “gado”, pois o fazem de forma cega e acrítica.

Na esfera da antipolítica, identificamos esses símbolos na liberação das armas, no culto à liberdade individual sem peias e limites e no uso da bandeira nacional e da camiseta da seleção brasileira de futebol sob a alegação de patriotismo.

Na esfera do culto e da adoração do seu líder, a alcunha de imbroxável do presidente.

E, na esfera da pauta de costume, o culto à família, à pátria e à religião, sintetizada pelo bordão de nítida inspiração nazi-fascista: “Brasil acima de tudo! Deus acima de todos!”, decorrendo disso o combate às pautas identitárias, especialmente do movimento LGBTQIA+, as quais passam a ser reputada como uma degradação da moral e dos costumes, sendo associadas aos movimentos de esquerda e ao comunismo.

Com relação a essas palavras de ordem e símbolos, tecemos as seguintes considerações:

Para o bolsonarismo, a liberação das armas está associada à defesa da integridade física e da liberdade individual, seja esta ameaçada pelo Estado – sendo esta uma influência de nítida inspiração norte-americana – seja contra o outro. E esta liberdade não deve encontrar qualquer limite à sua ação, seja esta de expressão, seja de violência contra aquele que discorda de mim. É o reino da barbárie, dado que o pressuposto da sociedade civilizada, desde o contrato social, é o monopólio da violência pelo Estado, cabendo a este a defesa do cidadão e não àquele, com suas próprias mãos.

Por trás, contudo, dessa faceta da estética bolsonarista, há um outro objetivo de natureza bem mais prática: formar milícias que funcionem como linha auxiliar no caso de um golpe de Estado, quando não de linha principal se acaso as forças regulares não se alinharem com essa tentativa. Correlação de forças que, óbvio, deverá ser avaliada quando - e se - a ocasião se apresentar.

Para neutralizar essa linha, será preciso revogar os decretos que pouco a pouco foram esvaziando o estatuto do desarmamento, e quiçá revê-lo em alguns aspectos que efetivamente avançou demais no desarmamento da população, especialmente na questão das comunidades rurais.

O uso da bandeira e da camiseta da seleção brasileira de futebol são uma apropriação indevida de símbolos nacionais por um movimento político, o qual, por ser contra a política, não pode ostentar uma bandeira e cores próprias. Se o fizesse seria igual a qualquer outro movimento e essa é uma associação justamente que eles desejam evitar.

Para neutralizar essa iniciativa, basta que os movimentos de oposição incorporem esses símbolos à suas manifestações políticas, dado que eles pertencem a todos e não apenas ao bolsonarismo.

A alcunha de imbroxável do presidente, puxada por um coro de verdadeiros adoradores durante as manifestações do último 7 de setembro, se refere em última instância não à eventual potência sexual do sujeito – ou não apenas – mas a sua suposta infalibilidade, à moda de um líder religioso, como o Papa, por exemplo, apesar de todos os indícios contrários, como o evidenciam o enriquecimento ilícito, a corrupção dos pastores no MEC, a compra superfaturada de vacinas durante a pandemia e agora os escândalos que começam a espocar com orçamento secreto sob a gestão do Centrão.

Para neutralizar essa simbologia basta mostrar que o governo tem telhado de vidro e que Bolsonaro se não está envolvido diretamente é omisso ou conivente. O que, no entanto, só se tornará efetivo quando o Presidente e seus asseclas forem investigados e condenados pela Justiça, o que passa, necessariamente, pela vitória de Lula no 2º turno.

Para finalizar, a estética bolsonarista está assentada numa onda e num modismo, que começaram lá trás, com as manifestações de junho de 2013, quando estas foram capturadas pela direita, interessada em desestabilizar o governo e que ganhou força e foi devidamente instrumentalizada com os abusos cometidos pela Operação Lava Jato. Tornou-se cool, legal, da hora, vestir as cores do Brasil e seguir o capitão nesse falso arroubo patriótico, contra a degeneração da política – embora não haja nada mais degenerado que o Centrão a que Bolsonaro se aliou e do qual sempre fez parte, fato que seus seguidores prontamente justificam como uma aliança de ocasião dele para não cair, mas do qual logo não precisará mais ao tornar-se um autocrata. Daí a expressão que por um tempo essa gente cunhou às tentativas de golpe de Bolsonaro: “Eu autorizo!”.

Somente dessa forma é possível compreender a histeria que tomou conta de seus seguidores, que parecem empenhados, não numa disputa política, mas numa guerra santa – não é à toa que, volta e meia, Bolsonaro evoque essa disputa como uma luta entre o bem e o mal. Fato perigosíssimo a levar as pessoas a cometer atos extremos como os que se tem visto aqui e ali, de agressão e morte de militantes de esquerda por bolsonaristas e o recrudescimento da violência policial contra a população mais pobre.

Como todo modismo, contudo, este também haverá de passar, à medida que os símbolos acima forem sendo neutralizados pela evidência dos fatos e da verdade, tarefa esta que caberá, mais do que apenas aos movimentos de esquerda, a todos que se dizem comprometidos com a democracia e que vemos agora se formar na grande aliança, por ocasião do 2º turno, em torno da candidatura do ex-presidente Lula. Oxalá, saiamos vencedores desse embate e este seja apenas o primeiro ato de combate a esta verdadeira doença que se abateu sobre o nosso país.

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