Cultura não dá dinheiro, e nem tem que dar mesmo. Se queres ganhar dinheiro, vai fazer outra coisa!
Contudo o homem não vive sem cultura.
Desde as manifestações mais rudimentares, como as pinturas rupestres, até as mais sofisticadas, o homem é por essência um ser cultural, produto do seu meio e do seu tempo.
Por isso cultura - e o artista, por conseqüência -, tem de compor o leque das políticas de Estado, receber apoio e incentivo dos Órgãos Oficiais e das entidades privadas, com ou sem finalidades lucrativas.
No entanto, poucos se dão conta disso. A maioria tem preconceito contra as pessoas que se dedicam a fazer cultura. Rotulam-nas, ou de malucas ou de otárias, como se o único valor realmente relevante da vida fosse a persecução do lucro e da riqueza. Por outro lado não deixam de escutar o seu artista preferido, assistir a um bom filme, ler um bom livro, apreciar uma obra de arte, como se estes fossem produtos de geração espontânea, não de homens, feitos de carne e osso, que precisam de meios para sobreviver. E, enquanto o reconhecimento não vem, tem de lutar pelo seu pão de alguma forma. É assim que muitos acabam tendo de se sujeitar a todo tipo de ocupação, as quais, na maioria das vezes, nada tem a ver com sua vocação, até conseguir penetrar no mercado e sobreviver do seu ofício.
Só que essa não é uma tarefa fácil, e a maioria acaba se perdendo pelo caminho.
Por isso a ajuda do Estado e das entidades ligadas à promoção da cultura – e aqui incluo a Academia, enquanto guardiã do saber consagrado, a qual costuma dar as costas ao que se produz para além dos seus muros - é fundamental nessa fase. De outro sorte passaremos o resto dos nossos dias glorificando as obras do passado, quando se sabe que a cultura precisa se renovar e isso só se faz com novos artistas/autores.
Mas cabe ao público também fazer a sua parte.
Se de um lado as iniciativas oficiais tem de ser apoiadas, o consumo consciente de obras de autores iniciantes – e aqui me refiro a toda forma de arte -, é fundamental para que coisas novas e de qualidade surjam. Não dá pra deixar exclusivamente nas mãos do mercado decidir o que presta e o que não presta. De outro modo nos tornaremos reféns do mercado e de produtos culturais de qualidade artística duvidosa, pois o mercado quer vender e o que vende é o que cai fácil no gosto popular, só que isso não é critério de qualidade e o que acaba acontecendo é a produção de uma arte pasteurizada, de baixa qualidade e em geral com algum apelo sensual envolvido. É o que se vê, por exemplo, de tempos em tempos com sucessos meteóricos e, como tais passageiros, da música popular, tais como o bonde do tigrão, bundinha da garrafa, eguinha pocotó e por aí vai.
Ora um produto cultural de qualidade para se firmar e ficar no mercado precisa de conteúdo e por traz dele um autor de qualidade, o qual não se faz da noite para o dia. Deixar nas mãos do acaso e da sorte o surgimento e a sobrevivência de um ser assim é obra de uma sociedade sem consciência da importância da arte.
Cultura tem de parar de ser encarada como apenas mais um produto do mercado e o artista, lançado às feras do jogo do ganha-perde desse meio. Como dito anteriormente a cultura - mas aquela cultura que está se fazendo hoje e não apenas a do passado -, tem de compor o leque das ações do Estado, e ser encarada como um bem de interesse social, recebendo o apoio e o incentivo dos Órgão oficiais e das entidades afins.
Nunca é demais lembrar que a Renascença só foi possível graças ao apoio da igreja, da nobreza italiana e dos grandes comerciantes. Os chamados mecenas, a quem verdadeiramente devemos um Michelangelo, um Da Vinci e um Rafael. O mesmo podendo se dizer em relação aos grandes da música erudita mais tarde na Alemanha.
Então temos de parar com esse preconceito contra as iniciativas oficiais de financiamento de novos autores e também fazer a nossa parte, consumindo as obras de autores iniciantes.
No mesmo sentido, compete à Academia, abrir as suas portas para o que se faz fora, para o que ainda não obteve a chancela da tradição, pois a história já comprovou que o anômico ( de anomia: sem regra, sem lei) de hoje, muitas vezes, tem se tornado o canônico (de cânon: modelo, padrão) de amanhã.
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