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A CULTURA AUTORITÁRIA DE PASSO FUNDO.

Há coisa de um ano travei conhecimento com uma pessoa que hoje já posso nomear de amigo, o qual me chamou a atenção para um aspecto da cultura de Passo Fundo que há muito me incomodava e eu não sabia precisar o que era. Trata-se da cultura do autoritarismo que está entranhada nas pessoas e nas instituições que comandam. Desde então venho desenvolvendo essa percepção e encontrando inúmeras situações que só a corroboram.

Não sou especialista no tema, mas identifico o autoritarismo quando as pessoas não são chamadas a participar do processo decisório. As decisões são tomadas por algumas cabeças iluminadas e elas decidem o que é o “melhor” pra os outros. Costumo dizer que até o bem que se faz aqui é feito de modo autoritário. As decisões não são divididas com aqueles que serão seus beneficiários ou com aqueles que já desenvolvem a atividade. Identifico isso especialmente na área em que atuo: na literatura.

Durante anos a Jornada Nacional de Literatura foi um evento magnífico, mas de costas para a cidade. Costumava brincar que a Jornada era como uma manada de elefantes que de dois em dois anos passava ao largo da cidade, causando grande barulho e alvoroço, mas que ninguém sabia ao certo o que era, pois só os grandes autores da literatura brasileira – de fora, naturalmente - podiam participar. Os índios da aldeia, não!

Foi a partir da publicação do meu primeiro livro, em 2006, que esse fenômeno ganhou relevo, pois o evento de 2007 estava aí, às portas da cidade e eu não tinha onde mostrar meu trabalho. Pois bem, foi com um cartaz com os dizeres “Autor Local” e com a ajuda de alguns amigos que me instalei nas portas da Jornada para divulgar o meu trabalho, pois entendia que aquele era o espaço que restava destinado aos escritores da cidade.

Foi a partir desse movimento que começamos um debate na cidade sobre a Literatura que se produz aqui, condenando a prática de esconder os autores da terra quando os grandes chegam – os elefantes -, como o louco da casa que a família esconde quando recebe visitas. Com o apoio do amigo e escritor Pablo Moreno e outros começamos essa discussão.

Em 2010, graças ao apoio do Projeto Passo Fundo, publiquei meu segundo livro e em 2012, meu terceiro. Foi nesse ano também que ingressei nos quadros da Academia Passo-Fundense de Letras, graças ao apoio e incentivo dos agora confrades Paulo Monteiro e Gilberto Cunha. Esse título de acadêmico deu força à luta pela valorização da literatura local, engajando-se nesse luta o acadêmico Agostinho Both. Foi nesse ano também que fomos convidados a participar da Jornada de Literatura de 2013.

Fizemos uma programação maravilhosa nesse evento e conseguimos levar ao palco principal uma amostra dos autores da cidade. Nesse sentido, a professora Tânia Roesing foi generosa conosco, decerto já prevendo as dificuldades que se avizinhavam para a continuidade de realização do evento, tanto que em 2015 o mesmo foi cancelado, justo quando os autores locais tinham finalmente conquistado um espaço.

Contudo, em 2017, remodelada, a Jornada abriu ainda mais a portas para a arte que se produz em Passo Fundo, especialmente com o evento Caminho das Artes, realizado na Rua Independência, com o convite aos artistas locais para ocuparem o espaço.

Tivemos também esse ano a primeira edição do Prêmio Literário Cidade de Passo Fundo para premiar os autores de Passo Fundo.

Não obstante esses avanços, o autoritarismo repousa nas sombras e, na primeira oportunidade, aparece.

Nesse sentido vejamos gostaria especialmente de discorrer sobre a criação e a realização do Prêmio Literário acima mencionado.

O projeto de lei que o criou não foi previamente submetido aos escritores da cidade. Quando soubemos dele, já estava indo a votação.

O mesmo ocorreu com o edital, o qual, por diversos equívocos teve que ser corrigido, após já estar na rua.

As categorias a serem premiadas e o número de prêmios por categoria também não o foram. Identificávamos problemas que poderiam ter sido evitados tivesse o debate sido aberto. Foi assim que um gênero importantíssimo ficou de fora, o da literatura infantil-juvenil e o número de inscritos quase não chegou ao número de prêmios por categoria.

Não foi prevista a premiação de coletâneas, sendo que nesse ano de 2017, só o Projeto Passo Fundo lançou 3 coletâneas, de Contos, Crônicas e Poesia, das quais fui organizador da Coletânea de Contos, e o grupo Sociedade dos Poetas Vivos, do qual faço parte, também lançou a coletânea de contos Acerca do Circo.

A cereja do bolo do autoritarismo, contudo, ocorreu na noite de 16/11/2017, na premiação dos autores da cidade.

O protocolo chamou às autoridades à mesa e de imediato, sem um aviso prévio, a palo seco, sem uma explicação do que era aquele prêmio, a quem se destinava, qual o seu escopo, a sua periodicidade e quem pode se inscrever, passou a anunciar os escolhidos.

Na mesa, não fosse a presença de última hora da Presidente da Academia de Letras, não tínhamos um representante do Setor, considerando a ausência da Coordenadora da Comissão de Julgamento.

Discursos protocolares, fotos e fim de festa. Não fosse eu pedir a palavra e anunciar-me como representante dos Escritores participantes, quando a mesa já estava desfeita e as autoridades se retirando, o público teria entrado e saído sem entender nada do que tinha acontecido.

Enfim, são fatos como esses que ilustram que subjaz na cidade uma cultura autoritária, a qual tem de ser trazida à debate, pois tal cultura não contribui para o desenvolvimento das forças criativas e democráticas da cidade, emperra o seu desenvolvimento e estimula a debandada de talentos que aqui poderiam crescer e florescer.


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