COLETÂNEAS
DOAR É UM ATO REVOLUCIONÁRIO
Doar é um ato revolucionário, porque doar rompe com a lógica capitalista que tudo transforma em mercadoria. Somos muito mais do que meras máquinas de produzir riqueza. Há uma dimensão em cada um de nós que foge a esta lógica e que bom que assim seja, pois quando doamos, quem mais ganha somos nós. Ganhamos em significado, ganhamos em amor, ganhamos em sentido à vida, a qual se expande para além do significado meramente produtivista. Estabelecemos laços de amizade e carinho que geram uma nova forma de relação social entre as pessoas, não mais mediadas pelo dinheiro e pelas coisas, mas por aquilo que nos é mais característico: o interesse e a curiosidade pelo outro.
Essas relações estabelecem um novo sentido. O sentido comunal que as médias e grandes cidades já não possuem mais. É precisamente quando descobrimos isso que percebemos que as relações não precisam apenas serem mediadas pelo intercâmbio mercantil ou laboral, mas que podemos estabelecer vínculos por outras motivações. Motivações que nos reconstituem como espécie e como seres essencialmente gregários que somos.
Nunca ninguém não terá nada para doar. Pode ser seu tempo, suas habilidades adormecidas, sua mera presença e a disposição de ouvir. O que também contribui para o resgate da auto-estima do doador, porque o que foi desprezado no campo das relações mercantilizadas, seja porque a pessoa não tem um trabalho formal, seja porque não produz algo para vender, quando se engaja num trabalho voluntário ou pratica a doação, sempre terá algo a oferecer. Colocar-se à disposição abre esse verdadeiro baú de possibilidades que cada um de nós somos, regatando o sentido das nossas várias facetas que, muitas vezes, por não encontrarem uma expressão econômica, acabam desprezadas.
O mundo já produz o suficiente para todos terem uma boa vida. Infelizmente os mecanismos de concentração de renda e de produção de desigualdades não permitem isso, criando verdadeiras aberrações como o do mercado de luxo ao lado de bolsões de miséria. Doar rompe com esta lógica, na medida em que em que é possível gerar mais excedentes quando se leva uma vida mais modesta, quando não, dar-lhes uma destinação mais nobre que a lata de lixo ou o mero entesouramento.
Se isso ocorre com os bens materiais, também ocorre com os intangíveis, dos quais as pessoas são detentoras sem se dar conta: seu tempo livre, suas habilidades adormecidas, sua mera presença e disponibilidade para ouvir. Ninguém, nunca não terá nada para doar, e como dito acima, ao final, quem mais ganha é o doador, invertendo efetivamente a lógica capitalista, à qual não podemos ser reduzidos, como se fôssemos, também nós, meras mercadorias.
O ser humano é mais do que uma coisa. O ser humano é único e, ao mesmo tempo, vário, multifacetado. Possui muitas habilidades, as quais não podem ser reduzidas a de mero produtor de mercadorias. O voluntariado nos devolve essa perspectiva, ao colocar em mobilização essas habilidades que, muitas vezes, não encontram expressão na sociedade do trabalho organizado e monetizado. Nem por isso, contudo, o seu trabalho não é necessário. Veja quanta necessidade há no mundo e tão poucos dispostos a se engajar nessas atividades! É que fomos ensinados, treinados a sermos produtivos, não solidários; a vendermos nosso tempo e força de trabalho no mercado, não a doá-lo de forma gratuita quando nos sobra tempo e disposição.
É preciso, pois, resgatar esse aprendizado, para além da lógica capitalista. Lógica que nos trouxe até aqui, é verdade, quando dispomos de mais tempo e mais qualidade de vida, mas à qual não podemos ficar presos. É preciso libertar as potencialidades adormecidas. O engajamento em causas sociais, ambientais e outras nos oferecem essa oportunidade.
As causas são muitas e ingentes - a fome, a carência de conhecimento e cultura, o meio ambiente, os animais, as crianças, os doentes, os idosos... Cabe encontrarmos a nossa e fazer o que é possível, de acordo com nossas habilidades e possibilidades. Por certo não transformaremos o mundo, mas contribuiremos, com certeza, para transformá-lo num lugar menos hostil à nossa própria existência.